Preço dos alimentos subiu bastante em 2020: arroz e feijão preto estão entre itens com maiores altas.| Foto: Arquivo/Gazeta do Povo
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Enquanto o Brasil tenta encontrar culpados para a crise no preço dos alimentos, o campo continua produzindo, os agricultores seguem com o plantio, a colheita e o planejamento da próxima safra. Um roteiro comum de Norte a Sul do país que garante o abastecimento interno para 220 milhões de brasileiros e mais de 1 bilhão de pessoas espalhadas pelo quatro cantos do mundo. Isso mesmo: como agricultores, temos uma contribuição decisiva na missão de alimentar boa parte do planeta. Mas nem sempre foi assim. O protagonismo veio nas duas últimas décadas, quando nos destacamos entre os maiores produtores de exportadores de proteína animal e vegetal.

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Mas quanto vale o preço de uma saca de soja, um quilo de frango ou uma cabeça de alface? A resposta está em uma série de variáveis, com base em fundamentos e especulação, princípios básicos de economia, da lei de oferta e demanda. A elevação de preços considera redução na oferta, por problemas climáticos, por exemplo. Ou, em tempos de pandemia e isolamento social, embora haja certa relatividade nesse recorte, porque as pessoas passam mais tempo em casa e, por consequência, aumentam o consumo. Existe ainda o impacto do câmbio, em que o dólar atinge um patamar histórico de valorização frente ao real, em ambiente favorável e sem precedentes à exportação.

Quem define o preço, portanto, é o mercado, o câmbio e o clima. Não é o agricultor. O agricultor, na maioria absoluta das vezes, não é formador, mas tomador de preço. Assim, apontar o dedo para o campo para justificar a alta no preço dos alimentos é no mínimo falta de informação. Um conflito desnecessário e desagregador do ponto de vista da opinião pública. Não se trata de encontrar culpados, mas de identificar as causas e propor soluções. Não para a produção. Isso está resolvido. Mas para o mercado. No momento, não há crise de desabastecimento motivada pela oferta. Com raras exceções, vivemos anos de safras cheias.

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O problema está na distribuição ordenada do consumo, na estratégica pública e privada para atender a demanda doméstica, o insumo para a agroindústria e a manutenção de estoques adequados ao abastecimento interno. O que muitas vezes implica em racionalizar as exportações em vez de estimular os embarques. O mercado moderno é livre e aberto. Mas o interesse público e a soberania precisam ser considerados. A sustentabilidade está no equilíbrio entre produção e consumo, condição que passa por responsabilidades e políticas públicas e privadas. Bem como no combate ao abuso econômico e à desinformação, muitas vezes utilizada por interesses de uma minoria.

Talvez o Brasil tenha de importar não apenas arroz, mas soja, milho e até feijão. Mas não é porque a produção ficou aquém do consumo doméstico, e sim porque a exportação foi além, porque a cotação no mercado interno não conseguiu fazer frente à paridade exportação e ao câmbio acima de R$ 5. Mas, de novo, isso tudo é mais mercado de produção. Talvez menos fundamento e mais especulação, uma vez que não dá para ignorar a oportunidade da demanda internacional e da receita cambial. O que parece faltar é estratégia, com um olhar não apenas de produção primária e monocultura, mas de sistemas de produção, valor agregado e diversificação.

De qualquer forma, comida não vai faltar. A vocação do Brasil é produzir alimentos, uma missão cumprida pelos mais de 15 milhões de brasileiros ocupados no campo, dos quais 10 milhões na agricultura familiar, conforme o Censo Agropecuário do IBGE. No Paraná, dos mais de 500 mil, 350 mil estão na agricultura familiar. Não falta gente, tecnologia e conhecimento. De um modo geral, o problema do Brasil e do mundo não está na falta de comida, mas na falta de recurso para comprar o alimento. Agricultura é mercado. Mas agricultura com autossuficiência é abastecimento, segurança alimentar e soberania.

Marcos Brambilla é presidente da Federação dos Trabalhadores Rurais Agricultores Familiares do Estado do Paraná (Fetaep).