No dia 16 de abril, foi apresentado o Projeto de Lei n° 005.00064.2020, de iniciativa do prefeito de Curitiba autorizando a adoção de medidas excepcionais nos contratos administrativos por parte da administração pública municipal, com objetivo de mitigar os efeitos da pandemia da Covid-19.
Logo no artigo 1.°, o PL consolida a premissa relevante neste tema – a preservação dos contratos vigentes, mesmo diante da notória dificuldade de ambas as partes (poder público e contratado) de assegurar sua sustentabilidade econômico-financeira. Isso especialmente nos casos em que o cenário de crise reduziu ou até mesmo eliminou a demanda, impedindo a continuidade da sua execução – é o caso do fornecimento de merendas escolares e do transporte municipal de passageiros, ou dos serviços de limpeza de repartições públicas que foram fechadas.
Além de o projeto observar a sistemática normativa em matéria de contratação pública, estabelecendo a diretriz que deverá nortear a gestão dos contratos neste contexto de crise, ele revela a preocupação do poder público com o momento pós-crise, que deve ser objeto de atenção desde logo.
Nesta perspectiva, a diretriz posta é fundamental. A extinção prematura dos contratos vigentes neste momento implicaria altíssimos custos ao governo e à sociedade, inclusive quando da normalização das atividades. Licitações são caras e demoradas. O risco de descontinuidade por tempo indeterminado de serviços essenciais não pode ser assumido (afinal, são serviços essenciais). Isso sem mencionar a escalada do desemprego que decorreria do rompimento dos contratos administrativos.
Partindo desta premissa, o PL autoriza expressamente a concessão de subvenções e a manutenção de pagamentos no âmbito de contratos administrativos, quando necessária sua suspensão total ou parcial. A medida deve ser a suficiente para manter a infraestrutura mínima da prestação dos serviços – nada além. Daí porque abranger o custeio das despesas comprovadas com pessoal e encargos obrigatórios, o que se denomina de “custos fixos”, que independem do volume de produção. Com isso, tutelam-se os dois fins do projeto de lei: salvaguardar a posterior retomada da atividade e preservar empregos e renda no âmbito dos contratos públicos.
Mas, por óbvio, a lei não esgota a atuação do gestor público, a quem caberá, caso a caso, e a depender das especificidades de cada contrato, decidir quais medidas – e com que alcance – serão implementadas. Para tanto, será fundamental a colaboração e, sobretudo, a boa-fé do contratado, que detém as informações da operação que são imprescindíveis à boa tomada da decisão.
Para além disso, em se tratando de medidas excepcionais em contexto de acentuada escassez de recurso, o PL reforça o dever de motivação destas decisões. Dever que visa, ao fim e ao cabo, conferir maior segurança ao próprio gestor público, acerca da necessidade, utilidade e adequação das suas escolhas. Indo além, inclusive, o projeto antecipa os principais aspectos a serem considerados pelos gestores no momento de avaliar os contratos vigentes. Por exemplo: quais os riscos se, normalizada a situação, não for possível a retomada dos serviços? Há possibilidade de reduzir valores contratuais sem que posterior retomada dos serviços fique prejudicada? É possível reduzir o valor do contrato sem que haja demissão de pessoal? É viável manter os serviços de forma remota? Com isso, ao mesmo tempo em que institui a possibilidade de auxílios financeiros quando necessário, estimula-se a adoção de soluções alternativas e criativas sempre que possível.
Como o objetivo das medidas previstas é preservar os contratos e manter empregos, o projeto de lei estabelece compromissos que o gestor deve estabelecer ao implementá-las, de modo a assegurar tais objetivos. Neste sentido são as exigências de que os contratados beneficiados não demitam funcionários afetos à execução do contrato enquanto perdurar a crise, bem como que repassem os pagamentos àqueles empregados, arcando com os devidos encargos. Afinal, caso contrário a medida desviaria em absoluto dos fins pretendidos.
Para além de serem excepcionais e terem fins claros, as medidas previstas no projeto de lei têm natureza residual, pois já há programas de auxílio a empresas em âmbito federal e estadual com o mesmo objetivo de preservação de contratos e empregos. Daí porque as empresas contratadas que queiram se beneficiar das medidas lá previstas devem se inscrever naqueles programas, sempre que preencherem as condições para tanto. Com isso, reduz-se o dispêndio de recurso público municipal e evita-se a sobreposição indevida de benefícios, o que geraria enriquecimento ilícito do contratado e corromperia a finalidade das medidas.
Por fim, o PL visa não apenas a preservação dos contratos do ponto de vista da sustentabilidade econômico-financeira, quando o serviço não pode ser executado. Ele também instala medidas que permitem a preservação da própria execução do contrato, sempre que possível sem que se desnature o objeto do contrato. Neste sentido, confere ao gestor público a prerrogativa excepcional de ajustar o local de prestação do serviço, o órgão e entidade dele beneficiários, e até mesmo a quantidade e qualidade da prestação, desde que de forma motivada e mantendo-se a natureza dos serviços.
Isso não significa, por óbvio, eliminar a transparência que se espera dos contratos administrativos. Daí a previsão, ao longo de todo o PL, do constante dever de motivação e formalização das medidas previstas que venham a ser adotadas. Tanto a suspensão dos contratos como a alteração dos seus elementos devem ser devidamente formalizadas por meio de termos aditivos. Para que estes, porém, não prejudiquem a eficiência esperada ou instalem riscos iminentes à saúde pública, o PL previu sua simplificação, e até mesmo postergação, sem prejuízo de avaliação prévia das medidas por parte da Procuradoria-Geral do Município e ulterior regularização do procedimento.
Em síntese, o projeto de lei confere segurança a gestores públicos na adoção de um modelo emergencial de gestão contratual dinâmica e eficiente, como se espera do poder público em tempos de normalidade, e se torna imperativo em momentos de crise.
Heloisa Conrado Caggiano, advogada, é mestre em Direito da Regulação e membro da Comissão de Direito da Infraestrutura da OAB/PR.
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