As mudanças frequentes e, cada vez mais rápidas, são características do nosso tempo. Na mobilidade não é diferente. Se, há pouco, o novo tema era a chegada dos aplicativos de transporte compartilhado, hoje o debate envolve, também, o uso de patinetes e bicicletas como alternativas ao trânsito carregado. É um debate atual, que traz várias implicações sobre regulação, legislação e, é claro, segurança.
Embora a discussão a respeito destes temas novos e complexos avance em ritmo acelerado, muitas vezes nos vemos estagnados em outros, tradicionais e recorrentes, como a segurança viária. Para se ter uma ideia, segundo dados da Organização Mundial de Saúde, acidentes no trânsito são a oitava causa de mortes no mundo. Além disso, 90% dos acidentes são provocados por erros humanos. No Brasil, mais de 40 mil pessoas morreram em acidentes de trânsito em 2017, de acordo com informação do DPVAT.
Estes números alertam para a urgência de se promover debates e, sobretudo, ações efetivas de transformação do comportamento no trânsito. Neste quesito, a preocupação não deve estar concentrada somente na realidade das grandes cidades. Em um país em que o transporte rodoviário é proeminente, o comportamento nas rodovias é ponto de atenção e não deve ser negligenciado.
Em um país em que o transporte rodoviário é proeminente, o comportamento nas rodovias é ponto de atenção e não deve ser negligenciado
Trata-se de uma questão que deve ocupar a todos. A sociedade precisa pensar em alternativas e soluções conjuntas que promovam uma transformação real, de base. E o caminho para esta transformação exige a combinação de alguns pilares. Com a minha experiência atuando em projetos de educação para segurança no trânsito, percebi que, embora ela seja crucial para o desenvolvimento de uma sociedade mais consciente, sozinha não resolve a questão. A educação é a base que, combinada à regulamentação e à fiscalização, permite uma mudança concreta. Se falharmos em um destes pontos, falharemos em avançar como sociedade.
O debate, hoje, tem focado em medidas de fiscalização e controle, como radares e multas. Isso é fundamental, mas ainda há muito o que evoluir em educação e conscientização. Estes são fatores comuns, que estão na raiz dos problemas e são, também, as soluções para muitos deles. A educação para o trânsito, para ser efetiva, deve envolver diversas frentes. Não é com aulas isoladas, ou com palestras pontuais que se garante uma transformação de comportamento e se reduz acidentes. É uma questão cultural e precisa ser sistêmica.
Os projetos mais bem sucedidos nesta área são aqueles que fortalecem o protagonismo de estudantes para que gerem impactos positivos e transformações em suas comunidades. Ou seja, não se trata apenas de educar, mas sim de formar agentes de transformação.
- As trincheiras são a solução para o trânsito das cidades? (artigo de Andrei Crestani, Marta Gabardo e Sylvia Leitão, publicado em 30 de abril de 2018)
- Mudanças no Código de Trânsito e a indústria da multa (artigo de Glavio Leal Paura, publicado em 10 de junho de 2019)
- O governo Bolsonaro e a mobilidade urbana (artigo de Roberta Marchesi, publicado em 12 de janeiro de 2019)
Felizmente, há alguns bons exemplos. O Projeto Escola, uma iniciativa que promove a segurança no trânsito a diversas regiões e cidades, sempre com o envolvimento da comunidade, é um deles. Os números são expressivos. Estudantes de escolas públicas de 156 municípios já foram impactados, em cinco estados: São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Paraná e Santa Catarina. Ao todo, 664 escolas já foram beneficiadas, 18.231 professores capacitados e um total de 315 mil alunos já participaram do projeto. As ações podem ser desenvolvidas em escolas, centros comunitários e até mesmo em passarelas de rodovias, com aulas abertas, por exemplo.
O importante neste tipo de projeto é que não seja uma ação isolada, restrita a uma escola ou grupo de escolas. A criação de uma rede que suporte, que dê continuidade e reverbere a iniciativa é fundamental para promover uma mudança consistente na sociedade que se reflita em gerações futuras. Neste caso, parcerias com órgãos como Polícia Militar Rodoviária, Polícia Militar Federal, Secretarias de Educação e Diretorias de Ensino, por exemplo, são fundamentais e é o que garante que as iniciativas não sejam isoladas ou tenham repercussão muito localizada.
A convivência harmônica entre motoristas, pedestres, ciclistas e, agora também, usuários de patinetes – que deve ser suportada por uma infraestrutura adequada, recursos de engenharia e obras, novas tecnologias e inovações – é um anseio da sociedade brasileira. A educação, vale frisar, é o fator fundamental que vai permitir que esta transformação de fato ocorra e, ainda mais importante, seja perene. É assim que vamos elevar nossas cidades e rodovias a outro patamar.
Maria José Finardi é Coordenadora de Sustentabilidade da Arteris.