A segurança pública foi um dos principais temas da campanha eleitoral de 2002. Visando a dar maior destaque ao assunto, o Partido dos Trabalhadores (PT) lançou em fevereiro daquele ano o seu projeto Segurança Pública para o Brasil. Fruto de vários debates e discussões com acadêmicos, juristas, políticos, burocratas e policiais, o documento incorporou uma série de propostas de inovações na área de segurança pública. Essas propostas seriam implantadas durante os quatro anos do mandato presidencial, conforme Lula anunciou em debate nacional.

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De fato, dentre todos os partidos que concorreram às eleições presidenciais de 2002, apenas o PT apresentou propostas claras e concretas para a área de segurança pública. Os outros partidos e candidatos falavam em "priorizar a segurança pública", em "endurecer o combate ao crime", mas sem apontar quais medidas deveriam ser tomadas para alcançar aqueles objetivos. É justamente a partir dessa iniciativa meritória do PT que iremos avaliar os primeiros quatro anos do governo Lula.

Depois de realizar uma análise das várias dimensões do tema, o projeto Segurança Pública para o Brasil apontava medidas a serem tomadas em diferentes áreas: integração das polícias, formação e capacitação profissional, legislação, acesso à Justiça, sistema penitenciário, prevenção da violência. Para implantar boa parte dessas medidas, o governo federal deveria contar com o apoio dos estados e municípios.

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Sem dúvida, foi na área de formação e capacitação profissional que o governo federal mais avançou. Depois de um amplo debate entre representantes das polícias estaduais, das universidades e do governo, foi criada a Matriz Curricular Nacional. Seu objetivo é servir de referência para as atividades de formação e capacitação e está fundamentada numa nova perspectiva sobre o tema, abrangendo conteúdos sobre direitos humanos e valorização profissional. Em 2006, foi lançada a Rede Nacional de Especialização em Segurança Pública, cuja idéia central é articular o conhecimento prático dos policiais, adquirido no seu dia-a-dia profissional, com os conhecimentos produzidos no ambiente acadêmico.

Nas outras áreas, no entanto, o governo pouco avançou. Não foram criados incentivos para que os tribunais estaduais implantassem sistemas de penas alternativas, tampouco foi fomentada a ampliação do acesso à Justiça através de projetos especiais, conforme previa o projeto do PT. Foram raras as políticas de prevenção à violência, sobretudo dos homicídios, que contaram com apoio direto do governo federal. No campo legislativo, a grande iniciativa governamental foi a aprovação do estatuto do desarmamento e a realização do referendo sobre a comercialização de armas. Medidas de poucos efeitos concretos sobre o quadro da violência urbana no Brasil.

Pode-se dizer que as dificuldades para implantar as medidas propostas para o tema segurança pública devem-se às especificidades do sistema federativo brasileiro. A maior parte do trabalho de polícia é realizada pelas polícias civis e militares estaduais. Entretanto, no que diz respeito à segurança pública, há grandes reservas com relação à interferência da União na autonomia política dos estados membros da federação.

O Fundo Nacional de Segurança Pública (FNSP) certamente é um mecanismo capaz de incentivar iniciativas importantes para conter a violência que assola as cidades brasileiras. Nesses quatro primeiros anos de governo, no entanto, foram reduzidos os recursos destinados ao FNSP. Eles caíram de pouco mais de R$ 561 milhões, em 2001, para menos de R$ 244 milhões em 2005, uma queda de mais de 56%.

Além de reduzir a quantidade de recursos destinados ao fundo, o governo não conseguiu melhorar a qualidade dos gastos. Seguindo a tendência do governo anterior, a maior parte dessas verbas destinou-se a financiar a compra de viaturas e armamento. Apenas 7% dos recursos do fundo serviram para apoiar projetos inovadores. Ou seja, apesar das boas idéias iniciais, o governo federal continuou a apoiar a fórmula já bastante criticada: mais viaturas, mais efetivos e mais armamento.

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Não há dúvida de que o governo federal pode e deve desempenhar papel importante na solução dos problemas de segurança pública. Mas, para isso, é necessária a criação de mecanismos institucionais e incentivos que apóiem e estimulem estados e municípios a adotarem medidas concretas com relação ao tema.

Arthur Trindade é doutor em sociologia pela Universidade de Brasília, professor do Departamento de Sociologia e coordenador do Núcleo de Estudos sobre Violência e Segurança (Nevis), recentemente criado. É autor do livro "Entre a Lei e a Ordem: violência e reforma nas polícias do Rio de Janeiro e Nova York" (2004).