O processo de globalização econômico-financeira no Brasil e em outros países tende a autorizar e legitimar, tal como vem ocorrendo com a explosão da demanda dos brasileiros por segurança privada, a transferência de serviços públicos considerados essenciais e de responsabilidade exclusiva do Estado para o setor privado.
Atualmente, a indústria privada de controle do crime emprega formalmente algo em torno de 500 mil profissionais armados, quantidade superior ao efetivo da Polícia Militar no país. De outro lado, o exército clandestino de segurança privada não para de crescer. Empresas e sindicatos vinculados ao setor estimam que exista no Brasil uma proporção de três vigilantes informais para cada vigilante oficialmente cadastrado com carteira assinada.
A disseminação da cultura do medo e a desconfiança da população nos aparelhos de repressão e controle do Estado sedimentam o caminho para que a indústria da vigilância privada tome conta da sociedade, abarcando shoppings, lojas, condomínios fechados, comércio de rua, bairros inteiros, etc. Com isso, o cidadão contribuinte e trabalhador brasileiro, além de estar obrigado a repassar uma quantia cada vez maior do seu trabalho à União, estados e municípios, sob a forma de impostos e taxas oficiais, converte-se em fonte de irrigação e consolidação do mercado de segurança privada, o qual faturou, somente em 2009, valores superiores a R$ 15 bilhões.
A mercantilização da segurança pública constitui o sintoma de injustiça social e insuportável ofensa aos direitos constitucionais básicos que o Estado nega ao cidadão. Contudo, os setores incluídos da população ainda podem remediar a situação recorrendo-se ao mercado que oferece segurança paga. O dilema socialmente mais grave reside em outro lugar.
O país contabiliza a existência de um contingente populacional sem emprego ou sobrevivendo à base do trabalho informal, pequenos bicos e bolsas assistenciais do governo. Essa multidão de seres sem rosto está literalmente excluída de direitos constitucionais básicos. Encontra-se destinada a confinar-se em espaços urbanos, onde a ausência de políticas sociais e de segurança pública tem sido substituída pela produção e reprodução do etiquetamento social contra os pobres. Nesses territórios marcados pela negação histórica de direitos, e sem a esperança de obtê-los no futuro, os excluídos expõem seus bairros, suas vidas, seus corpos e seus breves destinos a cenas brutais de violência, na condição de autores e vítimas de tragédias sem fim.
A reversão desse quadro de medo, insegurança e de injustiça social exige mobilização coletiva e disposição dos agentes políticos e autoridades públicas no sentido de garantir que os deveres constitucionais atribuídos aos aparelhos de Estado cheguem, de fato, à população. Afinal, o direito constitucional à moradia, ao emprego, à saúde e à educação não é luxo. Segurança não é mercadoria.
Nenhum formato de Estado, ou constelação político-ideológica que chega ao poder pelo voto, possui o direito de governar os destinos de um povo, coagi-lo a entregar 35% de sua riqueza ao Estado e, em troca, constrangê-lo a viver sob o império do medo, da insegurança e do cinismo de ministros que se vangloriam em anunciar superávits fiscais ao custo de tragédias sociais cotidianamente anunciadas.
Cezar Bueno, doutor em Sociologia, é professor da PUCPR