Na semana passada, membros do governo federal chegaram a colocar sobre a mesa a possibilidade de utilizar as reservas internacionais acumuladas pelo Banco Central para diminuir a dívida bruta do setor público, principalmente após os gastos emergenciais realizados para o combate à pandemia da Covid-19.
Gostaria de expressar por que essa alternativa é equivocada sob o ponto de vista teórico e sob o ponto de vista conjuntural/político. Em primeiro lugar, é importante ressaltar que tal atitude vem sendo debatida tanto pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, como por seus secretários, que são membros do governo federal, todos responsáveis pela política fiscal. As reservas internacionais são instrumentos de competência do Banco Central do Brasil, e o executor da política monetária faz uso de todas as teorias modernas sobre economia liberal como um órgão independente do governo, sempre comprometido com as metas do seu mandato fixadas em controle de preços, manutenção da estabilidade do câmbio e análise do cenário macroeconômico.
Ao existir não só o palpite, mas a afirmação por membros do governo sobre a possibilidade de uso das reservas internacionais, já se põe em xeque a credibilidade da autonomia do Banco Central, tornando suas decisões questionáveis sobre possíveis usos de política monetária para benefício do governo. O que, se for comprovado, desmoralizará todo o arcabouço e a confiança dos agentes econômicos na atual gestão do BC.
Suponhamos que essa seja uma decisão independente, e que o Banco Central concorde em usar parte dos aproximadamente US$ 340 bilhões da reserva para quitar parte da dívida bruta acumulada no último ano. Com isso, veremos um efeito de curto prazo e que efetivamente poderá diminuir em até 10 pontos porcentuais nossa relação dívida/PIB, tendo em vista a atual cotação do dólar no momento da venda de parte das reservas.
Entretanto, o mais importante é que, se atuarmos apenas nessa frente, no pagamento da dívida no presente sem nos debruçarmos sobre a trajetória da nossa dívida, que é crescente e explosiva, nos colocaremos em uma situação pior que aquela em que nos encontramos, pois ao longo dos próximos anos nossa dívida voltará a crescer, e nossas reservas estarão em um patamar ainda menor; ou seja, não é inteligente usarmos as reservas internacionais para resolver um problema de curto prazo sem aprovarmos as reformas tributárias, da máquina pública e do pacto federativo, que efetivamente têm a capacidade de alterar a trajetória da dívida no longo prazo, garantindo assim uma efetividade do uso das reservas no presente.
Dentro deste contexto, ao utilizarmos as reservas internacionais sem nenhuma articulação política, não estaremos colocando o problema para debate no parlamento e, ao excluirmos os parlamentares deste debate (não estou falando de aprovação, e sim de debate!) e da urgência das reformas estruturais, não haverá nem pressão nem interesse para alterar a composição do Estado brasileiro e de suas regras complexas e ineficientes, tornando o uso das reservas um ato inútil sob o ponto de vista político.
Vale lembrar que o acúmulo de reservas internacionais é uma importante consequência do tripé macroeconômico que consolidou o Plano Real, a nossa maior conquista econômica, o qual é baseado em metas de inflação, câmbio flutuante e realização de superávit primário. Ao utilizarmos as reservas internacionais para abater a dívida pública, poderemos estar começando a “entortar” as bases desse tripé que solidificou nossa economia; portanto, precisamos ter muito cuidado ao efetivar essa ação.
Segurem o Plano Real! Ele ainda é a melhor alternativa de escolha para retomar o crescimento econômico do nosso país.
Igor Macedo de Lucena, economista e empresário, é doutorando em Relações Internacionais na Universidade de Lisboa, membro da Chatham House – The Royal Institute of International Affairs e da Associação Portuguesa de Ciência Política.
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