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A lei de acesso às informações públicas, recém aprovada pela Câmara Federal, representa um avanço gigantesco na direção do pleno exercício da cidadania em nosso país. Ao garantir o direito de solicitar e receber de qualquer agência pública, pertencente aos três poderes constitucionais, informações sobre suas decisões e atos, a lei estará consolidando no país o que alguns cientistas sociais batizaram como "política de aquário": todo aquele que movimente recursos públicos deve se sentir como um peixe dentro de um aquário, cujos movimentos estão sempre sob a observação do dono. Não adianta o peixe tentar se esconder dentro daqueles castelinhos kitsch que todo aquário tem: o dono o vê. Nem adianta buscar refúgio atrás das pedras que todo aquário também tem: a cara do dono estará lá perto, observando tudo. Não existem nem podem existir segredos entre o peixe e o dono do aquário.

Entre essa ampla disponibilização de informações e aquilo que, atualmente, caracterizamos como "cidadania", existe um ano-luz de diferença. Na realidade, a prática democrática no Brasil é extremamente limitada e quase que exclusivamente associada ao ato de votar, à prática desse ritual periódico que é escolher os dirigentes do país por intermédio do voto popular. É verdade que isso é um dos pilares da cidadania e que no Brasil mais do que 60% da população total pratica o sufrágio universal livremente; mas a cidadania, o compartilhamento das decisões de como conduzir o Estado exige muito mais, a começar pela participação informada do cidadão no debate político.

O suposto cidadão brasileiro está quase que totalmente alijado do debate das questões nacionais verdadeiramente relevantes e seu alheamento em relação a alguns processos fundamentais da vida democrática é assustador. Faça um teste com você próprio, paciente leitor, e com outras pessoas. Pergunte-se, ou pergunte a elas, qual é o orçamento federal de 2010. Ou o orçamento do Paraná; ou ainda o orçamento de Curitiba. Sou capaz de jurar que a grande maioria não tem a menor ideia de quanto o Estado brasileiro arrecada e em que gasta. E, no entanto, ele arrecada quase que 40% do total do Produto Interno Bruto, que é a carga fiscal, e cada um de nós trabalha quase que 140 dias por ano apenas para saciar a sua voracidade financeira. E, no entanto, os orçamentos públicos são uma das pedras angulares do processo democrático, na medida em que devem refletir os anseios e prioridades da população. Além disso, planos e intenções dos governantes só ganham significado concreto quando se transformam em valores incluídos neles. Sem isso, são meras bazófias, promessas vãs. Os orçamentos públicos são vistos por nós como uma enorme chatice, cheios de números e de tabelas indecifráveis aos leigos. Graças a isso, os governantes os manejam com desenvoltura, sem serem perturbados.

É claro que não é necessário chegar aos requintes dos ingleses, que discutem os orçamentos públicos com a mesma paixão que nós brasileiros discutimos a escalação da seleção nacional e a convocação ou não do (ai, os meus sais!) "Imperador" Adriano. E colocam até apelidos neles, os orçamentos: já houve o "orçamento dos homens", porque o governo se propunha naquele determinado ano a reduzir os impostos sobre a cerveja, o "orçamento das mães", porque havia uma previsão de ampliação das verbas para as creches públicas e os day care centers. O cidadão inglês sabe que, tendo sido incluída no orçamento uma determinada verba destinada a alguma coisa, há uma mais que razoável probabilidade de que aquela destinação seja respeitada, sendo pouquíssimo provável que as verbas sejam diminuídas, bloqueadas ou suprimidas ao bel prazer dos governantes para atender suas conveniências políticas, como é comum em outras paragens...

Aliás, nem poderíamos imitar os ingleses. A pasta de couro em que eles colocam a proposta orçamentária para levá-la ao Par­lamento é quase tão velha quanto o Brasil independente, enquanto que, em termos de cidadania, estamos no primeiro dia da Criação.

Belmiro Valverde Jobim Castor é professor do doutorado em Administração da PUCPR.

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