| Foto: Marcos Tavares/Thapcom

Os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) Ricardo Lewandowski e Cármen Lúcia afirmaram, dias atrás, que o mundo vive um momento de avanço do conservadorismo – uma mudança “perigosamente conservadora”, disse a ministra –, mas que “os direitos individuais estão resguardados” por serem assegurados pela Constituição.

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Não entendi. “Os direitos individuais estão resguardados”? O conservadorismo, por acaso, é antitético aos direitos individuais? É ignorância ou déficit cognitivo? A narrativa continua, mas por bocas togadas: a esquerda “progressista” sintetiza o moderninho e esclarecido (tipo Starbucks), enquanto os conservadores tiveram seus relógios parados no tempo (tipo Confeitaria Colombo), capazes apenas de pensar em seus privilégios sociais e projetos hegemônicos.

Vamos explicar as ideias conservadoras para esses ilustres e bravos revolucionários? Todos somos conservadores, ao menos naquilo que estimamos: família, trabalho, time, livros, bebidas, lugares e comidas. Um sujeito com uma disposição conservadora tende a valorizar aquilo que já tem, não porque tudo que possua seja superior a uma alternativa hipotética, mas porque eles não são uma alternativa hipotética e a possibilidade de perdê-los em tempos de mudança desenha-se como uma privação fundamental.

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O espírito conservador é, em si mesmo, um “modernismo” – e aqui reside o segredo de seu sucesso

Vivemos em tempos absolutamente “progressistas”, nos quais depositamos nossa fé política numa crescente concentração estatal de poder, atribuindo aos detentores deste a condição de “iluminados”, porque eles seriam os guardiões das respostas para todos os nossos problemas e imperfeições; assim, os destinos da cidade sempre estariam “progredindo” no caminho da política.

Para um espírito conservador, a “beleza” do “progressismo” está em sabermos como começa e ignorarmos como termina. O espírito conservador é sempre a pedra no meio desse caminho rumo ao “progresso”. Ele levanta dúvidas e, dessa maneira, questiona o papel de uma elite culta que pretende impor sua agenda política utópica – em regra, “progressista” – ao restante da sociedade, porque, afinal, por ser mais capacitada, está apta a interpretar a realidade melhor que os incultos, os quais, em razão disso, também não sabem votar.

O espírito conservador também critica uma mídia mais engajada em desconstruir que em informar, sobretudo durante os processos de alternância de poder. Nesse caso, se o candidato da torcida midiática perde, não foram as pesquisas de opinião que erraram, mas foi o candidato opoente que “surpreendeu” e venceu a eleição.

Bruno Garschagen: Ser conservador não é conservar tudo o que aí está (publicado em 13 de agosto de 2018)

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Leia também: Conservadores à deriva no Brasil (artigo de Gustavo Biscaia de Lacerda, publicado em 1.º de abril de 2018)

Atualmente, temos três espíritos predominantes no cenário político-partidário: o reacionário, aquele que defende uma visão apegada e idealizada do passado, uma espécie de “revolucionário ao avesso”; o “progressista”, o sujeito dado à filosofia da vaidade do otimismo racionalista, o revolucionário de uma felicidade futura utópica que só existe na cabeça dele. E, por último, temos o conservador, cujo espírito procura, sempre diante da perspectiva de mudança do cenário social, preservar um certo rol de princípios fundamentais apreendidos pela experiência histórica. Assim, orientado por um discernimento prudencial, ele aceita, por reformas gradativas, as modificações culturais ou sociais que pulsam no seio da dinâmica histórica.

Logo, um espírito conservador não propõe “conservar” tudo como está, inclusive as inúmeras injustiças sociais que saltam aos nossos olhos, mas tem o espírito atento aos sinais da época, procurando zelar pelo desfrute das condições presentes que sobreviveram aos “testes do tempo” e que se revelam ainda úteis e benignas na condução da sociedade.

Essa postura também emerge, mas reativamente, em momentos de particular dramatismo para as instituições que sobreviveram aos “testes do tempo”, como a família nuclear, o casamento monogâmico/heterossexual e quase toda a gama de direitos individuais de que se tem notícia desde a Magna Charta Libertatum. Nesse ponto, metaforicamente, o espírito conservador seria a princesa, despertando apenas com um beijo do príncipe portador da “boa nova radical”.

Francisco Escorsim: A Direita que não é liberal nem conservadora(publicado em 10 de agosto de 2018)

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Leia também: Um Congresso mais afinado com os valores do brasileiro (editorial de 9 de outubro de 2018)

Em suma, o conservador é aquele que defende o mundo presente e as suas instituições, não porque esse mundo corresponda estritamente a um “projeto conservador de poder”, mas porque as instituições, os valores e os princípios ainda se mostram necessários para a preservação desse mundo tal como vivemos, compondo uma tradição que deve servir de base para uma atuação política prudencial, porque as exigências da política são, em boa parte, as exigências de uma tradição perene.

Nestes tempos modernos – de fragmentação, de “duplipensamento” e de realidade líquida –, o espírito conservador adquire um novo alcance e sentido. Esse espírito é o ponto de partida para qualquer pretensão reformista. Invertendo a famosa máxima de Burke, uma sociedade incapaz de conservar é uma sociedade incapaz de se reformar.

O espírito conservador é, em si mesmo, um “modernismo” – e aqui reside o segredo de seu sucesso: a capacidade de indicar os essenciais arranjos perenes que, com base no reservatório de experiências do passado e nos ideais de ordem, liberdade e justiça, estão aptos a nos conduzir para uma vida boa.

André Gonçalves Fernandes, juiz de direito e Ph.D., é professor-pesquisador, membro da Academia Campinense de Letras e do Movimento Magistrados pela Justiça.