Bitcoin, WhatsApp, Pix, LGPD. O que essas palavras e siglas têm em comum, além de integrarem há pouco tempo o nosso vocabulário mais corrente? Há várias respostas, claro. Mas para mim, nos últimos dias, elas remetem a uma reflexão preocupante sobre a impressionante capacidade do brasileiro – ou do ser humano em geral? – de transformar inovações reconhecidamente importantes e disruptivas em ferramentas para obter vantagens, nem sempre lícitas e nem sempre de forma honesta.
Sobre as moedas digitais, a rede de comunicação e o novo meio de pagamento bancário, temos visto todo dia na imprensa notícias de golpes cometidos por criminosos inescrupulosos contra pessoas de alta e de baixa instrução, o que prova que ninguém está livre de ser enganado. Às vezes, com a própria contribuição.
Sobre a Lei Geral de Proteção de Dados, a LGPD, temo que um movimento semelhante esteja sendo gestado no dia a dia das negociações, nos bastidores do fechamento e da gestão de contratos. Como Data Protection Officer (DPO) de um grupo empresarial que acompanha de perto muitas operações e tem contato com outras tantas por dever de ofício, vejo sinais de oportunismo à vista.
Muito embora a LGPD tenha por objetivo a proteção da pessoa humana no tratamento de dados pessoais, com a garantia de direitos fundamentais, a normatização entrou para a agenda das empresas, que nem sempre com a devida celeridade estão implantando seus programas de adequação de atividades. A Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) ainda está se organizando, mas as pesadas multas, de R$ 50 milhões ou de até 2% do faturamento, que podem inviabilizar uma empresa, já foram aplicadas em alguns casos.
Também é óbvio que, assim como as pessoas naturais, as pessoas jurídicas podem ser vítimas de tratamento ilegítimo de dados, causando-lhes prejuízos financeiros. O que torna compreensível que as corporações olhem para a LGPD com lupa, raio-x e todos os instrumentos a seu dispor, a fim de se protegerem de demandas indesejadas.
O problema é aquela vocação mencionada lá no começo de nossa conversa, de amarrarmos o burro à nossa vontade, mesmo que à revelia das boas práticas e até da lei, para usufruir do que não nos cabe, mesmo em prejuízo de terceiros.
Nos últimos dias, uma empresa invocou a LGPD para negar-se a apresentar um contrato solicitado em diligência pelo pregoeiro. Contrato assinado com empresa pública. Será que cláusulas de proteção da LGPD se equiparam às cláusulas de confidencialidade dos contratos, seja para pessoas físicas ou jurídicas? O que justifica tal argumento? Não é preciso ser advogado para imaginar que essa defesa não tem futuro.
Mas basta ter neurônios para perceber que temos aí uma potencial demanda judicial inútil, morosa, cara, que vai se arrastar por um tempo, atrasar procedimentos e entregas, prejudicar projetos, frustrar fornecedores e clientes, sobrecarregar o Judiciário e, provavelmente, agravar o seguro.
O problema, naturalmente, não é a LGPD, regulamentação muito bem-vinda. O problema é essa cultura que no passado conhecíamos como “Lei de Gérson” e que já não podemos aceitar esportivamente, nem como característica, nem como jeitinho. Não podemos admitir o surgimento no Brasil de mais uma indústria jurídica, com a judicialização das discussões e a institucionalização da chantagem.
Luiz Fernando Kasprik é diretor-executivo da Alias Tecnologia, empresa do Grupo Neoconsig.
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