Nada vem despertando mais interesse internacional do que a escalada da tensão nas relações entre Estados Unidos e Rússia. Se no ocidente o clima é de normalidade, russos ouvem ameaças a aviões americanos, exercícios de evacuação e comunicados beligerantes na televisão estatal, ao som de um raivoso Vladimir Putin.
Seria a tardia consumação da Guerra Fria? Ao que tudo indica, ainda não. Se no campo da força moral a superioridade russa ante à amolecida sociedade americana é evidente, no campo militar a situação é inversa: o poderio americano é tão avassalador que faz a segunda potência parecer insignificante.
Há algo que precisa ser tirado do caminho: o conflito nuclear entre as duas nações não teria, de fato, vencedores. Ambos gozam de um arsenal de 7 mil ogivas nucleares cada, suficientes para varrer a civilização do mapa algo como 14 vezes. Diante disso, discussões sobre mísseis intercontinentais ou conservação de silos se tornam puramente teóricas. No mundo real, ninguém ousou apertar o botão vermelho desde Nagasaki.
Em um conflito tradicional, a Rússia não teria chances contra os Estados Unidos
Em um conflito tradicional, a Rússia não teria chances contra um efetivo militar de 1,4 milhão de americanos na ativa contra 750 mil russos. No ar, a supremacia americana é abismal, com 13,5 mil aeronaves contra 3,5 mil russas. Mas é no mar que os americanos, protegidos por oceanos, mostram seu gigantismo com nada menos que 19 porta-aviões, contra apenas um único russo. Destes, dez são da classe chamada Nimitz, tão majestosos que fazem o modelo russo Kuznetsov parecer uma pequena canoa indígena.
São números só menos impressionantes que a diferença econômica, talvez a mais importante. Com um PIB de US$ 18,5 trilhões, os EUA gastam anualmente algo como US$ 600 bilhões em defesa. Para se ter ideia, o gasto ianque apenas em pesquisa é superior ao orçamento militar total de US$ 80 bilhões da Rússia – cujo PIB é menor que o do Brasil.
Como aliados, o acordo da Otan garante que os seus 28 países – incluindo potências como Reino Unido e França – se envolvam em um eventual conflito. Coreia do Sul, Japão, Israel e Austrália também são aliados americanos. Os russos teriam de contar com a incerta China, com quem não têm nenhum acordo formal e cujo principal parceiro comercial são os próprios Estados Unidos.
Putin, o mais sagaz líder do século 21, tem plena ciência da guerra impossível que acabei de propor. O mais provável é que esteja, portanto, se aproveitando da fraqueza evidente da Casa Branca para reafirmar a Rússia como potência. Provoca o Golias, confiante de que a comunidade internacional logo trará os “panos quentes”. Age, assim, como o garoto que arruma briga com o fortão da turma na frente da namorada, certo de que a briga será separada pelos colegas antes de começar.
Se acertar, Putin sairá deste conflito fortalecido no cenário internacional e doméstico. De quebra, reforçará sua posição no Oriente Médio antes de ceder às súplicas mundiais por paz. É uma posição que poderia ser neutralizada por um hábil líder americano, que, no momento, está em falta.
Há, no entanto, fatores preocupantes. Primeiro, é difícil distinguir as bravatas das reais insanidades em uma sociedade russa infiltrada por fantasias duguinistas-eurasianas. Segundo, questiono se a Casa Branca ainda defende os melhores interesses dos americanos, dada sua política externa recente. E, finalmente, preocupam brigas que saem do controle ao ponto de se tornarem impossíveis de retroceder.