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Por enquanto, no bojo das disputas intestinas no governo Lula, o ministro Fernando Haddad conseguiu uma vitória ao convencer o presidente da necessidade da manutenção do déficit zero e que, persistindo a lógica de Lula, de que o déficit poderia ser de 0,5 ou até 1,0, haverá problemas para o ano vindouro.
Haddad aceitou, novamente, um ministério no governo do PT; antes, foi ministro da Educação e, agora, ministro da Fazenda. Há muitos que afirmaram que, durante os movimentos políticos das eleições entre petistas e tucanos, Haddad era o “petista mais tucano” por sua ponderação e, não raro, relações mais pessoais com Fernando Henrique Cardoso (FHC) e outros tucanos de alta plumagem.
Lula, nas últimas semanas, jogou Haddad aos leões, pois afirmou que o déficit zero não seria alcançado.
Não se deve, por exemplo, esquecer que FHC foi ministro da Fazenda no governo Itamar Franco e que foi guindado à condição de candidato à presidência pelo êxito do Plano Real no combate à inflação e da estabilidade da economia brasileira. Assim, a ida de Haddad à Fazenda e a idade já avançada de Lula foram entendidos por muitos como sinais de que haveria, ali, um possível indício de um sucessor de Lula no plano político nacional.
Obviamente, política é uma busca da conquista e da manutenção do poder. A eleição de 2022 teve como resultado o retorno de Lula ao Planalto e a derrota de Bolsonaro, que, como se sabe, foi o primeiro presidente a não se reeleger após a aprovação da emenda da reeleição e que, ainda, se encontra inelegível – com duas condenações – e repleto de problemas junto às investigações levadas a cabo pela Polícia Federal e no Supremo Tribunal Federal. Mesmo que Lula tenha afirmado, na campanha de 2022, de que não pretenderia concorrer mais à Presidência, hoje, poucos acreditam que se Lula estiver com saúde não seja o candidato do PT, especialmente se as condições econômicas forem favoráveis.
No campo das expectativas econômicas, Haddad não buscou, apenas, batalhar pelo déficit zero, mas, também, negociou pessoalmente com as lideranças políticas objetivando o avanço da Reforma Tributária que está sendo discutida há décadas e que não havia saído do papel. Nos primeiros movimentos do governo Lula 3, o próprio presidente, em seus discursos, fez ataques ao mercado. Claro que tais falas somaram-se às desconfianças dos agentes do mercado em relação à postura de Haddad à frente do ministério. Todavia, Haddad mostrou-se resiliente e paciente a ponto de, se não na totalidade, quebrar parte substancial das desconfianças em relação à sua ação política.
Lula, nas últimas semanas, jogou Haddad aos leões, pois afirmou que o déficit zero não seria alcançado e, mais ainda, que, para a Fazenda, dinheiro bom é dinheiro em caixa e, para os presidentes, dinheiro bom é aquele investido em obras. Tais declarações de Lula foram conjugadas a outras manobras do núcleo político lulista e isso levou, momentaneamente, ao enfraquecimento de Haddad e certo isolamento. Novamente, resiliente e paciente, Haddad buscou apoio técnico de ex-ministros e figuras do campo heterodoxo, como, por exemplo, Aloísio Mercadante, Luiz Gonzaga Belluzzo, Guido Mantega e até Roberto Campos Netto. Apresentando dados e números ao presidente Lula, pelo menos por enquanto, Haddad conseguiu que a discussão do déficit zero fosse deixada para o ano que vem. A batalha, por ora, foi vencida, mas a guerra está longe de seu término.
Talvez Lula tenha entendido que enfraquecer Haddad é enfraquecer um pilar importante de seu governo. Assim, mesmo que ninguém creia num déficit zero, não se deve, de antemão, jogar a toalha. Em política, muitas vezes, mira-se no impossível para conquistar o possível.
Rodrigo Augusto Prando, professor e pesquisador do Centro de Ciências Sociais e Aplicadas (CCSA) da Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM), é graduado em Ciências Sociais, mestre e doutor em Sociologia.
Conteúdo editado por: Jocelaine Santos