Há sessenta anos, enquanto milhares de cubanos celebravam a queda do regime de Fulgencio Batista, uma atmosfera profunda, repleta de uma combinação de excitação e ódio, se apoderava de Havana. Poucas pessoas previram o que aconteceu depois. Em 1.º de janeiro de 1959, a República de Cuba foi assassinada. Poucos choraram por ela, alguns estavam muito ocupados fazendo suas malas para fugir desesperadamente do país, e outros, quebrando carros e janelas de lojas.
As instituições republicanas que não foram destruídas pela ditadura anterior foram brutalmente desmembradas nos meses e anos seguintes pelo regime de Castro, uma a uma. O Congresso nacional de Cuba nunca mais voltou a ter sessão no Capitólio ou em qualquer outro lugar, o nome do hotel Havana Hilton foi mudado, o Natal, os bares e cabarés, os sindicatos independentes, as escolas religiosas, os clubes privados, as grandes e pequenas empresas, os últimos vestígios do que era Cuba antes do comunismo; tudo foi destruído, expropriado ou tentado apagar da vida e da mente das pessoas.
A revolução nunca escondeu o desprezo que sempre sentiu pelo maior símbolo da era republicana: a própria Havana. Seus edifícios gloriosos, seus belos parques, suas grandes mansões, estátuas, teatros e museus, talvez burgueses demais para os revolucionários, talvez opulentos demais, ou provavelmente belos demais para terem sido construídos pelos “capitalistas e imperialistas malignos”. Tudo isso terminou duramente punido, deixado ao abandono, esquecido, como se tudo tivesse sido uma cumplicidade pecaminosa de um mal inimaginável.
O resultado da revolução foi violento, cruel e grotesco, tão grotesco quanto a arquitetura brutalista soviética
Aquela “burguesa Havana” que um dia foi uma das cidades mais ricas social e culturalmente do mundo, gradualmente colapsou, seus edifícios começaram a cair, um por um, como as cidades colapsam em zonas de guerra, e sobre ela, nada foi construído após 1959, nada que devolvesse seu esplendor novamente. Talvez a República burguesa tenha sido cruel e desigual em algum momento, embora glamourosa, mas o resultado da revolução foi violento, cruel e grotesco, tão grotesco quanto a arquitetura brutalista soviética que encheu os subúrbios de Havana com centenas de complexos habitacionais quadrados sem graça. Talvez, sem se dar conta, Havana tivesse se tornado uma zona de guerra permanente, na qual se desenvolve há sessenta anos uma batalha que parece nunca acabar, uma batalha entre tiranos e pessoas comuns que resistem e dão vida à cidade, geração após geração.
Castro sabia que os cubanos na década de 1950 não o tomariam como uma espécie de deus socialista (como os norte-coreanos fizeram com a dinastia Kim), então, em vez disso, ele fez as pessoas acreditarem no significado de algo tão poderoso quanto um ideal, ele insistiu em chamar o sistema político que criou em Cuba após 1959 como a “revolução”. Para ele, esse termo substituiria por fim aquela palavra chamada “República” que ele tanto odiava.
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Em algum momento, “revolução” significou para muitos o processo de libertação da ilha da ditadura de Batista, a “justiça social”, as batalhas nas montanhas da Sierra Maestra, os ideais que prometiam igualdade para todos, a colheita de cana de açúcar, os laços da nação com a União Soviética, o anti-imperialismo, o Partido Comunista, Che Guevara e o próprio Castro. Se você tinha uma casa, se comia comida racionada pelo Estado, se tinha cuidados de saúde e educação gratuitos, isso era graças à “revolução”; se sofria, se passava fome, se odiava, se era oprimido, se denunciava seus parentes “antirrevolucionários” à polícia política, se junto com uma multidão de vizinhos furiosos você era pressionado para jogar ovos nos dissidentes políticos e homossexuais do bairro, era tudo pela “revolução”. Toda vez que um cubano se referia à “revolução” em vez da República ou do governo, ou simplesmente a Cuba, ele se despojava de seu status de cidadão e se tornava um soldado, um soldado da “revolução”. Tragédias incontáveis foram justificadas por essa palavra.
No entanto, talvez essa revolução cubana, tal como o regime a idealiza, tivesse terminado há muitas décadas antes de o povo realmente se ter apercebido. Talvez tenha terminado mesmo no início, quando decidiram executar centenas de pessoas sem um julgamento justo em La Cabaña. Ou talvez tenha terminado em 23 de agosto de 1968, quando Castro fez um discurso justificando a invasão da Tchecoslováquia pelos exércitos do Pacto de Varsóvia, aceitando o “direito” da União Soviética de impedir a independência de um de seus satélites, em flagrante violação do direito internacional. Nessa noite, Castro cancelou formalmente a soberania de Cuba e aceitou explicitamente o “direito” da União Soviética de invadir a ilha, caso o mesmo tipo de revolta ocorresse ali. Cuba não era mais livre. Mais uma vez, a ilha foi condenada a ser um dócil servidor dos novos imperialistas.
Todo cubano foi condenado a seguir um destino cru e incerto para o qual não estava preparado
Hoje, “revolução” é uma palavra que não representa nada para a maioria dos cubanos, o povo prefere chamar a forma em que são governados como “o sistema”, ou “a coisa”. As palavras perdem seu sentido, morrem quando não têm nada específico a que se referir quando são repetidamente usadas sem precisão, quando realmente não fazem sentido para ninguém. Hoje, os jovens cubanos, sedentos de conhecimento, modernidade e tecnologia, preferem a palavra: evolução.
Essa mudança revolucionária de vento com que muitos outrora se iludiram, hoje é a causa da destruição de milhões de famílias, tanto daquelas que conseguiram escapar da ilha e se salvar de sua miséria predestinada (pagando o preço de nunca mais voltar a sua amada terra), como daquelas que morreram em execuções sem julgamento justo, em campos de trabalho forçado, ou tentando escapar em balsas improvisadas para os Estados Unidos, ou daqueles milhões de pessoas que ficaram para viver sob a opressão do regime. Todo cubano foi condenado a seguir um destino cru e incerto para o qual não estava preparado.
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Não há muita “justiça social” para celebrar em Cuba hoje. Nas ruas, é evidente o abismo econômico que separa os dirigentes do regime dos trabalhadores médios que ganham menos de 30 dólares por mês. Os novos ricos burgueses não são mais grandes empresários capitalistas e empreendedores, mas sim o status quo do Estado, parentes de militares importantes e membros do Partido Comunista que controlam os hotéis, restaurantes e bares mais luxuosos da ilha, todos feitos exclusivamente para turistas estrangeiros e para o novo status quo cubano.
Quase nada resta das promessas iniciais da revolução, na qual se falava de oportunidades para todos e de liberdades civis. Pelo contrário, o regime socialista tem mantido um rigoroso sistema de vigilância e controle que tem sido, infelizmente, a mais funcional de suas “conquistas”.