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Aproveitei as férias de verão para digerir a biografia de Carlos Lacerda, escrita por John W. Foster Dulles. Lacerda foi uma das figuras dominantes na política brasileira a partir dos anos cinquenta e um dos tipos humanos mais intrigantes sob o aspecto psicológico e mais patéticos sob o político, que já passou por estas paragens brasileiras. Uma inteligência rara destruída por um temperamento insuportável, uma capacidade infinita de demolir, com dois ou três minutos de destempero, anos e anos de planejamento e de articulações cuidadosas, de jogar a criança fora junto com a água suja do banho, como dizem os ingleses. Ao mesmo tempo, e aí vem a enorme contradição, foi o melhor governador da história do Rio de Janeiro (naquele tempo, estado da Guanabara): racional, planejador, formador de equipe, honesto, realizador, com visão estratégica e capaz de se sobrepor ao que havia de mais rasteiro em matéria de política clientelista. Um tipo desconcertante.

Em determinado momento, Lacerda foi preso e, dramático, resolveu fazer uma greve de fome, da qual ninguém conseguiu dissuadi-lo. Os médicos estão alarmados, o governo militar também, com medo de que morra na cadeia e vire mártir. Até que seu irmão Maurício vai visitá-lo e diz: "Carlos, que é que você quer? Fazer o Shakespeare na terra da Dercy Gonçalves? Lá fora está um sol lindíssimo, todo mundo está na praia, ninguém está acompanhando sua prisão nem sabendo que você está em greve de fome! Deixa de bobagem". Coincidência ou não, fim da greve.

Sempre tive muita admiração pelo Senador Jarbas Vasconcellos, um político probo, realizador, com raízes solidamente plantadas nas comunidades mais pobres de Pernambuco sem apelar para a pieguice e o assistencialismo desbragado. Infelizmente, acredito que ele está fazendo Shakespeare na terra da Dercy Gonçalves com a entrevista que deu à Veja. Os indícios são fortes.

O governo Lula reuniu em Brasília 4 mil prefeitos, que compareceram alegremente com suas e seus consortes e vice-prefeitos. Objetivo: "conseguir um alinhamento em torno das iniciativas do governo em prol dos municípios"... A estrela maior, depois do presidente foi a ministra Dilma e os prefeitos puderam, com a ajuda do Photoshop, fazer fotos com os dois no mais puro estilo dos santinhos eleitorais. O governo gastou na festa dez vezes mais do que declarou inicialmente, o que acabou sendo descoberto pela imprensa. Quando a oposição chiou, o presidente e a ministra ficaram indignados com a acusação de que se tratou de um ato eleitoreiro e dizem que se está fazendo um cavalo de batalha de um ato "administrativo". Convenhamos, está mais para Bububu no Bobobó do que para Muito Barulho por Nada.

O presidente da Câmara – ele mesmo, aliás, um tipo shakespeariano – finalmente cedeu à pressão da opinião pública e agora promete divulgar o conteúdo das notas fiscais que Suas Excelências apresentam para comprovar o gasto de uma inexplicável "verba de representação" de R$15 mil por mês. Mas está cedendo aos poucos: antes, só o nome dos emitentes seria divulgado, agora também o CNPJ, o que irá possibilitar aos contribuintes descobrir se alguns dos onorevoli cederam à tentação de utilizar notas de empresas desativadas ou frias. Mas já avisa que a decisão causou muito desconforto na Casa... Ora, meu Deus, dane-se o desconforto! Se um motorista de uma repartição pública apresentar uma nota fiscal falsa de cinquenta reais de gasolina, cairão sobre ele todos os rigores da lei e dos processos administrativos. Por que não aplicar o mesmo rigor a todos? Convenhamos: está mais para Só Naquela Base do que para A Tragédia de Júlio César.

Quanto a Jarbas Vasconcellos, tenho convicção de que ele achou que estava encenando A Comédia de Erros, mas o PMDB, pragmático e brasileiríssimo, acredita que seu melhor papel estaria em Cala a Boca Etelvina!, enquanto que Sarney, Renan & Cia torcem para que ele ocupe o papel principal em Entrei de Gaiato.

Belmiro Valverde Jobim Castor é professor do doutorado em Administração da PUCPR.

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