Após o encontro do Colégio dos Secretários de Estado da Segurança Pública, neste mês, e após longas discussões e elocubrações sobre o tema, me atrevo a seguir o pensamento da maioria de meus colegas, muitos dos quais experientes em seus cargos, e, numa diversidade cultural e geográfica continental de nosso território, algumas conclusões são comuns a todos os que querem e trabalham para o bem.

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Está claro para todos que as demandas na área de segurança nunca acabam; elas mudam de forma e, num cenário favorável, se estabilizam em outro patamar, como o que vivemos atualmente no estado do Paraná. Segurança pública não é uma ciência exata e muito menos uma questão para ser corrigida só por policiais. O título de secretário de Segurança carrega a falsa ideia de que ele é o responsável por todo o processo, quando, na verdade, possui como delegação básica orientar a ação da polícia e buscar melhorá-la como instituição. Mas é revelador que o debate e as críticas parem por aí. Há dezenas de especialistas debruçados sobre as práticas das instituições policiais e pouquíssimos buscando soluções para uma Justiça mais ágil, por leis mais eficientes, por uma recuperação de presos mais adequada. Nada a sugerir sobre fronteiras e entrada de armas e drogas país afora. As verdadeiras propostas são as que analisam a cultura e as estruturas de um espectro muito mais amplo de atores sociais, e duvido que o Poder Executivo estadual, sozinho, seja capaz de um resultado pleno e satisfatório. É preciso mudar o foco e dividir melhor as responsabilidades.

Um exemplo do que ocorre a respeito de críticas em relação à atuação da polícia em manifestações e o receio do excesso de força por parte do Estado sempre deixou a esquerda brasileira arrepiada, mas acho que está mais que na hora de desmistificar essa questão. Estamos numa democracia, e a repressão é uma variável que faz parte da defesa da sociedade. As críticas à polícia são pertinentes dentro de um contexto.

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Sabemos que é preciso aprimorar, qualificar e controlar as instituições que reprimem, mas nunca colocar em xeque a sua legitimidade! Duvidar do papel da polícia, numa espécie de "compensação ideológica", gera um ambiente confuso, de limites incertos, cujo resultado é a piora da qualidade do trabalho dos agentes que estão na rua.

Um bom diagnóstico é aquele que separa causa e efeito, o que é gripe do que é pneumonia. Por mexer com medos, receios e traumas, o debate público sobre o tema da segurança tende a confundir tudo, causa e efeito! As crises com a opinião pública, via de regra, são picos de gripe. Causam calafrios, tiram o sono do gestor, assustam as famílias. A demanda imediata é sempre por analgésicos e antitérmicos, ou pela famosa viatura na cena do crime no dia seguinte; dois ou três dias se passam e estamos bons.

Casos de comoção pública, como a morte das menores Rachel Genofre e Tayná Adriane da Silva, ainda sem solução e cronificando-se, são como pneumonia, pois o sofrimento vem aos poucos, mas permanece ali: ninguém consegue ficar indiferente quando acontecem mortes de pessoas inocentes num intervalo tão curto de tempo.

Cito esses fatos de pico de gripe para ilustrar o ambiente instável em que o Paraná vivia há alguns anos e ainda vive em algumas áreas. Dificuldades que de certa forma a segurança pública também padece no nível nacional. As causas dessas doenças raramente aparecem no debate porque, no desespero de respostas, as pessoas confundem causa com consequência. E essa confusão só nos leva a respostas inoportunas e a diagnósticos errados!As polícias são tão criticadas porque talvez esteja caindo no colo delas uma série de distorções de todo o sistema de segurança pública. As polícias são o que são, porque ao redor as coisas são o que são. A sociedade e as elites reclamam por mais polícia para estancar a gripe, mas ninguém tem estômago para debater as causas da pneumonia.

Por exemplo, a questão da recuperação dos presos: metade ou mais deles é reincidente no Paraná. Como alinhar um projeto de segurança com a leitura do problema feita pela Justiça? A lei atual é avançada, mas onde estão garantidos na Constituição os recursos para um trabalho pleno de recuperação? A sociedade entende que isso é prioridade? Qual é o projeto para as fronteiras? Até onde deve ir o papel das polícias estaduais no combate às drogas, já que o tráfico em larga escala é um crime federal? Unificar as polícias é uma boa medida? É possível desmilitarizar? Isso seria bom? Quem vai fazer o Congresso se mexer, colocar o tema em debate? Apenas melhorar as questões salariais resolveria? Essas são as perguntas, as boas perguntas. Enquanto as respostas não chegam, rodeamos o problema, e a dança das cadeiras nas secretarias de Segurança país afora segue a todo o vapor.

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Quando a pneumonia avança um determinado nível, importa como tudo começou? Pouco se pode fazer na atualidade contra as injustiças da história. É preciso, em primeiro lugar, resolver o problema de agora! Um eventual acerto de contas com o passado é até bem vindo, mas isso deve vir em paralelo. O que não podemos ignorar é que foi, e ainda é, em meio a esse caos urbano em que pobres e negros acabaram discriminados que a cultura do crime ganhou charme e poder de influência; foi nesse contexto que o grande traficante se encastelou, protegido. É por conta dessa lógica perversa que a polícia que serve o cidadão é a mesma que tem de ir à guerra. As pessoas confundem reordenamento com remoção nua e crua; suponho que haja formas e formas de se fazer, inclusive sem nenhum trauma para os envolvidos. Gostaria de ver projetos pioneiros, com soluções inéditas de moradia e com a adoção de tecnologias alternativas e baratas para um problema decisivo na vida dos brasileiros. Gostaria de ver uma participação privada, com aporte e manuseio de recursos que não passassem pela burocracia estatal. Gostaria de ver acordos judiciais céleres.Penso que a agilidade é o fator de sucesso ou fracasso na transformação deste país. E a lógica do Estado não foi moldada para tais urgências, é o modelo que a sociedade construiu para o Estado, que o deixa moroso e pouco funcional. Com tantas queixas e exemplos ao redor, alguém duvida disso?

Muitos vão achar que são propostas fantasiosas e até utópicas, mas é o que consigo enxergar sentado na cadeira de secretário de Segurança. O caminho é longo, desconhecido e cheio de riscos, mas o roteiro que a vida nos reserva, no âmbito privado, não é muito diferente! Leon Grupenmacher é secretário de Estado da Segurança Pública.

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