Todas as vezes em que se tenta governar por aproximações sucessivas, com soluções parciais para problemas ou para categorias isoladas, o problema reaparece imediatamente em outras categorias e outras situações
Governar, atualmente, se parece com uma partida de sinuca jogada com o Carne Frita, o lendário mestre dos bilhares brasileiros: uma sucessão de sinucas de bico, das quais o governante sai com enorme dificuldade apenas para se ver às voltas com outra.
A presidente escolhe Celso Amorim para ocupar o Ministério da Defesa, ele que durante todo o governo Lula se esmerou em bajular o terceiro-mundismo, que não faz (ou fazia) questão de disfarçar seu antiamericanismo digno dos anos 60 e que nunca demonstrou qualquer afinidade com os militares brasileiros. Agora, espocam reações entre os militares às declarações de altos funcionários do governo que advogam a revogação da Lei da Anistia e que veem na Comissão da Verdade uma oportunidade para provocar o assunto. De quebra, contestam a legitimidade do ministro e aproveitam para renovar reivindicações salariais, uma ferida sempre aberta no meio militar que se sente prejudicado diante das outras carreiras do Estado. Sinuca de bico.
A presidente escolheu também uma nova ministra da Condição Feminina, que antes mesmo de entrar em campo, na entrevista coletiva à imprensa, defendeu a legalização do aborto, que Dilma Rousseff havia se comprometido durante a campanha a não tratar durante seu governo. Sinuca de bico com evangélicos e lideranças católicas... Gilberto Carvalho, uma pessoa sabidamente discreta e low profile, faz algumas declarações que os evangélicos julgam ofensivas. Sinuca de bico, da qual ele sai se retratando e o governo acha que saiu colocando um pastor evangélico no comando do Ministério da Pesca, assunto no qual ele se confessa absolutamente ignorante. (Em tempo: irretocável a charge de Paixão nesta Gazeta, com o Bispo Crivella operando a multiplicação dos peixes como Jesus Cristo).
Agora, o PMDB se rebela contra o monocentrismo petista no governo Dilma. É claro que os nobres parlamentares peemedebistas estão sendo movidos pelos mais elevados propósitos de melhor servir ao interesse público, mas também é claro que a famosa frase de Stanislaw Ponte Preta a respeito de mamatas e negociatas se aplica no caso: "Negociata é um bom negócio para o qual não fomos convidados". Depois de um freio de arrumação no escândalo das ONGs e das OSCIPs chapa-branca e do corte temporário do festival de esbanjamento de recursos públicos que atende pelo nome de "emendas parlamentares", era mais do que natural que nossas lideranças políticas estivessem inquietas e, portanto, a sinuca de bico era inevitável.
Aqui no Paraná, as sinucas não são em menor número. Policiais civis e militares se rebelam contra os respectivos salários e depois de penosas negociações, o governo consegue acalmar a situação, acenando com um reajuste considerável. Sinuca de bico resolvida, mas, nos bastidores, o professorado estadual ensaia uma greve fazendo paralisações relâmpagos, pronto para dar sua própria tacada...
Isso já foi dito e testado ao longo de muitos anos, mas a lição do passado é sempre esquecida: todas as vezes em que se tenta governar por aproximações sucessivas, com soluções parciais para problemas ou para categorias isoladas, o problema reaparece imediatamente em outras categorias e outras situações. Albert Hirschmann, um dos grandes teóricos modernos da arte/ciência de governar, cunhou uma teoria em que ele comparava a ação dos governantes e a reação dos governados a uma estrada de várias pistas em que os carros estão parados num congestionamento. Se todos os carros estiverem parados, os motoristas até se conformam com a paralisia e o incômodo; mas se a fila do vizinho começa a se movimentar enquanto as outras permanecem paradas, o sentimento de que alguém está sendo mais bem tratado do que os outros provoca reações imediatas.
Enquanto não se conseguir formular uma nova visão do que pretendemos para o país e para o Paraná, continuaremos a desentupir algumas faixas de nossa estrada congestionada e deixar as outras paradas. E governar continuará a ser a arte de desfazer as sinucas de bico dos adversários... e dos aliados.
Belmiro Valverde Jobim Castor é professor do Doutorado em Administração da PUCPR.
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