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opinião do dia 2

Sistema de mobilidade urbana em Curitiba

Para que tenhamos uma cidade que funcione integralmente, é necessário criar diferentes meios de deslocamento, a volumes e velocidades diferentes

"Existem momentos na vida em que a questão de saber se se pode pensar diferentemente do que se pensa e perceber diferentemente do que se vê é indispensável para continuar a olhar ou a refletir." (Michel Foucault)

Apesar de Curitiba ter-se constituído em modelo e referência internacional por suas práticas de planejamento urbano, sobretudo como resultado de um sistema de transporte público de massa, criado e implementado nesta cidade desde a década de 1970, é possível perceber que com essa medida não se esgotam as necessidades de mobilização diária do cidadão comum e, portanto, que algumas carências importantes não têm sido devidamente observadas pela administração pública.

Refiro-me, por exemplo, ao perigo a que se submetem os trabalhadores, estudantes, desportistas etc. que, optando por transitar em bicicletas, têm necessariamente que se valer, por falta de outras possibilidades, das vias reservadas exclusivamente para os ônibus, ou então, dos espaços destinados aos veículos motorizados. Outra categoria social negligenciada é a representada pelos pedestres, jovens, idosos ou deficientes, que encontram calçadas em precaríssimas condições. Ou, ainda, podemos realçar os últimos acontecimentos que presenciamos nesta cidade e que nos evidencia o quão vulnerável estamos aos inúmeros problemas decorrentes de uma paralisação do sistema de transporte.

Em um momento em que, entre outras manifestações, tanto se apregoa a necessidade de assunção da responsabilidade social; iniciativas se efetivam no sentido de sensibilizar a população para batalhar por cidades mais humanas; e abunda o discurso de caráter ambientalista a justificar e estimular, senão exigir, mudanças nos hábitos urbanos, é preciso agir com vistas à superação do desgaste do discurso, ou dos excessos do verbalismo, certamente não comprometidos com nenhuma transformação do status cotidiano.

Quando nos voltamos ao tema mobilidade urbana, é inadmissível nos referirmos tão-somente ao transporte público como o modal que viabiliza à população o acesso aos serviços e oportunidades que as cidades oferecem. O tema sugere um entendimento mais abrangente, reflexo das inúmeras necessidades de deslocamento dos cidadãos. Quando o pensamos sob a forma de um sistema, devemos concebê-lo como uma rede coesa, integrada e hierarquizada de modo que cada ente desempenhe uma função específica e complementar para o seu correto funcionamento.

Fruto de um planejamento técnico centralizado ao longo de décadas em um único modal de transporte, o atual padrão de mobilidade urbana da cidade de Curitiba é marcado por uma queda na qualidade e no atendimento dos serviços de transporte público, a inviabilização de opções alternativas de deslocamento e o incremento descomunal do transporte motorizado individual, e todos os efeitos associados a esse padrão.

Trata-se de uma problemática que realça a necessidade imediata e inerente à administração pública de abandonar as práticas tradicionalistas do planejamento urbano em defesa de um dos princípios básicos da cidadania que é a garantia do direito de ir e vir, contemplando a universalidade no acesso da população à cidade, como defende a Política Nacional de Mobilidade Urbana.

Para que tenhamos uma cidade que funcione integralmente, é necessário criar diferentes meios de deslocamento, a volumes e velocidades diferentes, e buscar a articulação entre esses de modo a alcançar um ponto de equilíbrio social no atendimento às demandas de deslocamento da população.

É preciso ter clareza sobre a realidade, reconhecer as resistências existentes para poder enfrentá-las, bem como buscar meios para superá-las. A referência a Michel Foucault no início deste texto retrata a aspiração de que os resultados de um planejamento urbano centrado nas reais e atuais necessidades desta cidade possam transcender os efeitos decorrentes de discursos, cujos fins meramente retóricos, tão frequentemente presentes em nossa cultura, se evidenciam incapazes de consubstanciar práticas transformadoras.

Rafael Sindelar Barczak, arquiteto e urbanista, é mestre em gestão urbana e consultor em mobilidade urbana.

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