Conforme é de conhecimento geral, a censura voltou a fazer parte da realidade brasileira. Apesar de algumas pessoas e entidades terem manifestado a sua oposição ao retorno dessa ferramenta autoritária, até o presente momento nada sugere que esse retrocesso será um evento de curta duração. Dessa forma, faz-se necessário manifestar de forma inequívoca aquilo que deveria ser óbvio para todo cidadão deste país: não há como compatibilizar censura com democracia.
O caso dos Estados Unidos, a principal e a mais bem-sucedida experiência democrática da história, fornece uma excelente ilustração da fundamental incompatibilidade entre censura e democracia. Tão logo se tornaram independentes, os habitantes das antigas colônias inglesas na América do Norte se defrontaram com o problema de estabelecer um novo governo. Estava bem claro que o rei inglês não seria substituído por um novo monarca ou por uma elite local. Na verdade, o povo teria o poder de se autogovernar. Desde então, esse poder é exercido de diversas formas, especialmente por meio das eleições dos ocupantes dos cargos executivos e legislativos nas cidades, nos estados e no governo federal.
A exposição acima evidencia a centralidade do princípio de autogoverno para o regime democrático. Por tal motivo em uma democracia a população não pode ser tutelada por uma pequena elite, pois isso implicaria subtrair do povo o poder de determinar o destino da nação. Vale ressaltar que essa impossibilidade é absoluta, sejam lá quais forem as intenções e qualificações dos tutores.
Presentemente, o Brasil se encontra em uma situação na qual uma elite togada se outorgou o poder de censurar, inclusive previamente, diversos tipos de manifestações (por exemplo, reportagens, programas de rádio e televisão, vídeos no YouTube, postagens em redes sociais e páginas de internet). Ou seja, algumas pessoas assumiram o controle, ainda que de forma incompleta, das informações que os brasileiros conseguem acessar. Em consequência, atualmente existe um grupo de indivíduos exercendo o papel de tutor do nosso povo. Porém, conforme discutido acima, esse tipo de tutela é totalmente incompatível com a noção de autogoverno.
A ideia de que um povo que tem o poder de determinar o seu próprio destino precisa que uma elite iluminada o proteja de notícias falsas, de desordem informacional etc., é totalmente absurda. Mais ainda: independentemente do que escrevem e falam os censores e os seus apoiadores, a tutela que lhe é intrínseca faz com que a censura seja fundamentalmente antidemocrática. É um erro sério aceitar a presente realidade brasileira como sendo algo normal em uma sociedade democrática. Não é. Na verdade, a exemplo do que ocorre em países como Cuba, China, Rússia, Coreia do Norte, Irã e Venezuela, a censura é um dos principais pilares da tirania.
Alexandre B. Cunha é Ph.D. em Economia pela Universidade de Minnesota e professor da UFRJ.
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