O princípio básico das Convenções de Genebra, das quais Israel é parte e cujo guardião é o Comitê da Cruz Vermelha, está na distinção entre combatentes e não combatentes
Há 19 dias, desde o início da ofensiva militar israelense contra o grupo radical Hamas, os habitantes da Faixa de Gaza vivem um pesadelo constante: têm medo de ficar em casa, de sair às ruas, de tentar comprar comida. Segundo relatos, a cada cinco minutos aproximadamente ouvem-se tiros, bombas, ataques aéreos. Muitos dos palestinos que ali vivem não votaram no Hamas. E daí?
O Hamas não aceita a existência de Israel, é verdade. Todavia, os israelenses estão impondo à população de Gaza, que soma 1,5 milhão de habitantes, uma punição coletiva, um castigo por terem levado o Hamas ao poder nas eleições de 2006. A guerra, que visa aniquilar o poder de fogo do grupo, e cujo "dano colateral" é o massacre dos civis, parece ter o condão de qualificar o próprio povo palestino como agressor. Os bombardeios atingem toda a infraestrutura que importaria para a construção de um Estado palestino: escolas, centros de pesquisa, ministérios, estradas, mesquitas, residências, além, é claro, dos próprios cidadãos.
Até mesmo as instalações da ONU foram alvo do Exército israelense, obrigando a organização a suspender a entrega de ajuda humanitária aos palestinos de Gaza por 24 horas. Uma ONG israelense acusa o Exército israelense de mirar deliberadamente nas equipes médicas que vêm em auxílio dos feridos, atingindo ambulâncias por meio de artilharia aérea. O Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV) vem sendo impedido de prestar auxílio, fala de "crise total de grande amplitude", e denuncia os atrasos "inaceitáveis" no acesso da ajuda humanitária aos feridos. Os números dizem tudo: 1.000 mortos a metade de mulheres, crianças e idosos e 4.600 feridos do lado palestino, contra uma dezena de soldados israelenses mortos.
Anteontem, o governo israelense foi acusado de utilizar bombas incendiárias de fósforo branco contra a população civil. Além de toda essa catástrofe, há ainda quem tema o uso de bombas de fragmentação no conflito, já que esse tipo de munição já foi utilizado por Israel no Líbano. A insanidade maior, porém, partiu de um deputado israelense, que defendeu o uso de armas nucleares.
Os Estados Unidos e seus aliados sustentam que Israel tem o direito de se proteger. Oficialmente, não apoiam um cessar-fogo que seja incapaz de garantir que o Hamas retome o lançamento de foguetes e que não ponha fim ao tráfico de armas pelos túneis entre o Egito e a Faixa de Gaza. Por outro lado, o apoio (implícito) da comunidade internacional à ação é alarmante. Ainda que se admitisse o caráter defensivo da ação de Israel contra os atentados do Hamas, como tolerar um massacre? Não há justificativa possível para a desproporcionalidade e o desrespeito pelas leis internacionais.
O que justifica o ataque a uma escola? O princípio básico das Convenções de Genebra, das quais Israel é parte e cujo guardião é o CICV, está justamente na distinção entre combatentes e não combatentes, e na proteção destes últimos: tratamento de feridos e enfermos; proteção de hospitais contra ataques; remessas de medicamentos, material sanitário, víveres indispensáveis e vestuário. Apenas há poucos dias, foi possível negociar um corredor humanitário de três horas diárias, durante o qual uma ambulância do CICV foi atingida. Há fortes indícios de crimes de guerra.
Ao terrorismo do Hamas, Israel responde com...o massacre da população civil!
Muito se falou no equívoco maniqueísta de classificar os oponentes em bons e maus, já que ambos estão engajados no conflito em decorrência do radicalismo de suas posições. Todavia, não há como ignorar a disparidade militar entre os protagonistas, e as consequências irreparáveis do descaso do combatente mais poderoso para com as leis e instituições internacionais. Não se trata de tomar partido na guerra, mas de denunciar os métodos empregados e as violações aos direitos humanos.
Será possível exterminar o Hamas?
Não há solução militar para o conflito. A esperança reside na diplomacia dos moderados, que talvez passe pelo fortalecimento da Autoridade Nacional Palestina. O primeiro passo, porém, dependerá da cessação das hostilidades.
Larissa Ramina, doutora em Direito Internacional pela USP, é professora da UniBrasil.