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Sociedade Anônima de Futebol: a salvação para os clubes endividados

Torcedores do Benfica durante a terceira pré-eliminatória da UEFA Champions League, jogo de volta contra o Spartak de Moscou, no Estádio da Luz, em Lisboa, Portugal, a 10 de agosto de 2021. Imagem ilustrativa. (Foto: EFE/EPA/MIGUEL A. LOPES)

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O futebol é, tecnicamente, um esporte jogado entre dois times com 11 jogadores cada, mas é muito mais que isso: é paixão, é glória e motivo de união, alegria e celebração. Por isso, é um dos esportes mais jogados no mundo e uma das indústrias que mais movimentam dinheiro atualmente, com receita anual superior a R$ 100 bilhões, superando o PIB de mais de 90 países. Por muito tempo, apenas grandes cartolas, gigantes patrocinadoras e associações civis hereditárias puderam abocanhar um pedaço desse enorme e lucrativo mercado, mas isso está prestes a mudar no Brasil.

Foi sancionada, em 9 de agosto, a Lei 14.193/2021, que cria um “subtipo societário” próprio, a Sociedade Anônima do Futebol, e pretende trazer os clubes de futebol para uma realidade mais moderna, provocando mudanças estruturais que permitirão mecanismos para superar duras crises financeiras, além da participação de investidores pessoa física.

As sociedades anônimas são empresas criadas por meio de um estatuto social e têm o capital social dividido em ações, que podem pertencer a diversos empresários diferentes e ser objeto de transações financeiras. Elas podem ser fechadas ou abertas e, caso sejam abertas, as ações poderão ser negociadas no mercado de valores mobiliários, conhecidos como bolsas de valores. Essa modalidade empresarial é regida pela Lei 6.404/1976, que prevê regras específicas para as companhias quanto à organização, distribuição de dividendos e deliberações dos acionistas.

O modelo atual adotado por grande parte dos clubes de futebol brasileiros é o de associação civil, regido pelos artigos 53 a 61 do Código Civil. O referido modelo prevê regras bem menos rigorosas de transparência, prestação de contas e governança, o que permite práticas escusas e negócios obscuros, que afastam investidores e, muitas vezes, contribuem para a ocorrência de graves crises financeiras, que se prolongam com o tempo e são empurradas de gestão em gestão, cuja eleição se dá por um processo político.

O advento das Sociedades Anônimas do Futebol traz diversas inovações positivas para o mercado futebolístico brasileiro, como normas de constituição e governança típicas da sociedade anônima tradicional, que, por seu caráter lucrativo, devem ser bastante rígidas e transparentes para atração de investidores. A nova lei permite a criação de “debêntures-fut”, espécie de empréstimo em troca de juros que será um meio de financiamento da atividade desportiva e potencial investimento lucrativo para pessoas físicas.

A norma é inovadora no ordenamento jurídico brasileiro, pois, pela primeira vez em nossa história, o futebol é tratado como atividade empresarial geradora de lucros, tornando-se acessível para investidores pessoa física e não só para cartolas. Além disso, o processo legislativo levou em consideração mais de 2 mil stakeholders, que puderam apontar as peculiaridades do mercado.

A lei sancionada leva em consideração o contexto vivido por clubes brasileiros, cujas dívidas somam R$ 11 bilhões (somente entre os grandes clubes da série A) e cujos modelos são pouco profissionais e eminentemente políticos, e cujos conselhos fiscais são ineficientes. Diante dessa situação, a lei prevê forma privilegiada de tratamento do passivo dos clubes de futebol, que poderão se sujeitar ao concurso de credores típico da SAF, ou à recuperação judicial e extrajudicial da Lei 11.101/2005, possibilitando a superação de crises.

É o que visa o Cruzeiro Futebol Clube, gigante do futebol mineiro que enfrenta grave crise financeira, com passivo superior a R$ 900 milhões e risco de novo rebaixamento para a Série C. O time aprovou, por meio de seu Conselho Deliberativo, a constituição de Sociedade Anônima de Futebol para o clube. A medida visa aumentar a governança, a segurança jurídica da equipe, a atração de investidores e a recuperação do passivo por meio do procedimento privilegiado.

O Brasil finalmente se junta aos modernos clubes europeus, que já permitiam a criação de sociedades anônimas desportivas desde o ano de 2003 e ostentam exemplos de sucesso do tipo societário. É o caso do Benfica Sociedade Anônima Desportiva, clube de futebol português que optou pelo modelo de sociedade anônima e constituiu uma governança própria, que evita fraudes antes mesmo do acontecimento e levou o clube a se tornar a 25.ª equipe mais valiosa da Europa, mesmo disputando o modesto campeonato português.

Gianlucca Contiero Murari é advogado, mestrando em Direito e especialista em Direito Empresarial.

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