Em tempos de Natal sobram discursos sobre a importância da solidariedade. Para me provocar, um amigo perguntou se a Economia (a ciência) teria algo a dizer sobre o tema. Respondi que sim, a Economia tem algo a dizer, a começar colocando "solidariedade" no seu devido lugar, na sua condição de "valor" ou "virtude".
Na linguagem coloquial, solidariedade e generosidade significam, ambas, o ato de apoiar e ajudar o próximo. Porém vem da Filosofia a distinção que dá a cada expressão uma significação própria que, além de fazer sentido, é útil para a compreensão das ações humanas. De saída, vale enfatizar que tanto a solidariedade quanto a generosidade dizem respeito às atitudes que adotamos levando em conta os interesses dos outros. A diferença começa quando, no caso da generosidade, levamos em conta os interesses do próximo, mesmo que não concordemos com ele nem compartilhemos dos seus interesses. Se faço uma doação a alguém, fico sem o dinheiro e nenhum proveito tiro dessa atitude. Ajuda desinteressada: generosidade.
Por sua vez, a solidariedade significa levar em conta os interesses do outro porque compartilhamos deles (os interesses) e concordamos com ele (o outro). Fazemos um benefício ao próximo e isso nos traz, simultaneamente, um benefício. Há vários exemplos em que a solidariedade está presente, com grande utilidade social. Citemos dois. Se bato meu carro e a perda é total, milhares de pessoas se cotizam para me pagar um carro novo. Generosidade? Não, nenhuma. Eu apenas fiz seguro na mesma companhia dessas pessoas. Todos contratamos uma apólice de seguro por interesse, não por bondade. Ação boa, mas interessada: solidariedade.
Outro exemplo é a Previdência Social. Pagamos contribuição mensal, para um fundo que custeia as aposentadorias dos outros, hoje. Não o fazemos por generosidade. Fazemos por interesse, pois, completado o nosso tempo, os trabalhadores do futuro pagarão a nossa aposentadoria. É o que os economistas chamam de "solidariedade entre gerações". O filósofo André Comte-Sponville diz que a generosidade é uma virtude moral e a solidariedade é uma virtude política. Ambas são úteis. Mas o que é melhor? A solidariedade ou a generosidade? Moralmente, é a generosidade, porque ela é desinteressada. Mas, socialmente e economicamente, a solidariedade é muito mais eficaz, completa o filósofo. Se dependesse de generosidade, o INSS não existiria.
Considerando que é da natureza do homem ser egoísta (no sentido de que cada um defende, legitimamente, seus interesses), ninguém paga para proteger os outros. Todos pagam para proteger a si mesmos. Com isso, todos são protegidos. É o mesmo mecanismo aplicado ao seguro-saúde. Ninguém paga um plano de saúde por generosidade ou para proteger os outros. Cada um paga para proteger a si próprio e receber assistência médica. Portanto, pagamos por egoísmo, por interesse. E isso é fantástico, pois a "solidariedade de grupo" não pede ao ser humano que ele seja bondoso (benevolente); pede apenas que ele seja inteligente e proteja seus interesses. Foi por isso que o capitalismo triunfou.
Adam Smith deixou-nos uma passagem ilustrativa. "Não é da bondade do padeiro e do açougueiro que devemos esperar nosso jantar, mas da defesa que eles fazem do seu próprio interesse, como não é da nossa bondade que eles obterão o seu sustento, mas da defesa que fazemos do nosso interesse." Dois egoísmos, que convergem para o bem comum. O socialismo fracassou porque queria transformar o homem para que ele pensasse antes no bem comum, depois no bem pessoal. Não podia dar certo. Generosidade, conquanto abundante nos discursos, na prática é rara. Em uma analogia com o amor, São Tomás dizia que há dois tipos: o amor de concupiscência, que consiste em amar o outro para o bem de si mesmo (ninguém ama o frango para o bem do frango); e o amor de benevolência, que consiste em amar o outro para o bem do outro.
Mas o importante é que todos pratiquem a generosidade (ajudar o próximo, sem nada esperar) e a solidariedade (ajudar, esperando algo, ainda que seja a salvação da alma, se você acredita em Deus). Uma pergunta para meditação: você seria capaz de ajudar o próximo sem esperar nada em troca, nem mesmo a salvação da alma? Se a resposta for sim, você é generoso... afinal, essa é a mensagem do aniversariante do dia 25 de dezembro.
José Pio Martins, economista, é vice-reitor da Universidade Positivo
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