Imagem ilustrativa.| Foto: Luiz Costa/SMCS
Ouça este conteúdo

Há cerca de três meses, os motoristas brasileiros passaram a contar com mais uma novidade: a aplicação das multas de trânsito de forma remota. Um misto de Big Brother e Comédia da Vida Privada para colocar em prática a cultura do cancelamento. Porém, neste caso, o cancelamento em questão é o do direito de dirigir.

CARREGANDO :)

Desde que entrou em vigor, no dia 1º de abril, a Resolução 909/2022 do Conselho Nacional de Trânsito (Contran) permite que os motoristas sejam autuados de forma remota.

De acordo com a Resolução 909/2022, “a autoridade ou o agente da autoridade de trânsito, exercendo a fiscalização remota por meio de sistemas de videomonitoramento, poderão autuar condutores e veículos, cujas infrações por descumprimento das normas gerais de circulação e conduta tenham sido detectadas online por esses sistemas”. Ou seja: não é mais necessário a fiscalização presencial do agente de trânsito para que o motorista seja autuado.

Publicidade

Ao mesmo tempo em que essa medida ganha um ar de contemporaneidade, em um mundo cada vez mais digitalizado, na tentativa de coibir os abusos e as infrações no trânsito, abre-se um leque de possibilidades para a emissão de notificações irregulares ou, no mínimo, questionáveis.

A resolução tem a preocupação de deixar claro que não é qualquer tipo de registro que pode ser utilizado como prova contra os motoristas infratores. Segundo a norma, “a fiscalização de trânsito mediante sistema de videomonitoramento somente poderá ser realizada nas vias que estejam devidamente sinalizadas para esse fim”.

Além disso, é necessário que o agente responsável por lavrar o auto de infração especifique que o registro ocorreu de forma remota, a partir de imagens captadas sem a presença de um agente no local.

Se considerarmos as estatísticas de trânsito no Brasil, em que a cada ano o Ministério da Saúde registra mais de 30 mil mortes por conta da violência ao volante no país, é plausível pensar que qualquer modo de fiscalização é válido. Diariamente, milhares – talvez até milhões – de infrações acabam passando despercebidas das autoridades brasileiras por falta de fiscalização.

A população – os motoristas, em especial – tem consciência dessa falha nos efetivos das equipes dos órgãos competentes e aproveitam essa brecha para continuar cometendo irregularidades. Em muitos casos, essas infrações acabam resultando em fatalidades ou mesmo tragédias nas ruas e estradas brasileiras.

Publicidade

Porém, por outro lado, é fundamental questionar até que ponto esse tipo de fiscalização ganha um caráter realmente educativo e não apenas punitivo e com o objetivo de engordar os cofres públicos. Porque é fundamental elaborar políticas públicas que tenham esse caráter educativo para que, em um futuro próximo, as infrações deixem de ser atos conscientes e se transformem naquilo que, de fato, são: atitudes pontuais.

Estacionar em uma vaga destinada a um portador de deficiência, falar ao celular enquanto dirige ou mesmo assumir o volante após ingerir bebida alcoólica devem deixar de ser ações cotidianas e, até mesmo, aceitas socialmente. Mas, para isso, é necessário reforçar as campanhas educativas e não apenas autorizar que os órgãos de trânsito emitam autos de infração de forma deliberada e sem qualquer ação de conscientização coletiva.

Mais que isso: precisam ser assuntos abordados diariamente pela mídia, não apenas em momentos como o Maio Amarelo ou a Semana Nacional de Trânsito. Em suma: a conscientização dos riscos que o trânsito pode representar é um papel que envolve toda a sociedade.

É importante frisar que o videomonitoramento não é algo novo e nem fruto exclusivo da Resolução 909/2022. É um ponto que já estava previsto no Código de Trânsito Brasileiro (CTB), legislação em vigor desde 1998.

Em 2013, a Resolução 471 do Contran já estabelecia que filmagens em estradas e rodovias poderiam ser usadas como prova de infração. Em 2015, a Resolução 532 passou a permitir o uso do videomonitoramento também em vias urbanas. O que a Resolução 909 faz, na prática, é englobar as duas normas anteriores, consolidando-as em uma só.

Publicidade

Que essa nova medida seja adotada de forma consciente pelas autoridades responsáveis pela fiscalização do trânsito, mas que venha a ser mais um recurso utilizado com o objetivo de reduzir a violência nas ruas e estradas brasileiras. Não apenas mais uma forma de engordar os cofres públicos.

Cristiano José Baratto é advogado e consultor jurídico, sócio fundador do escritório Cristiano José Baratto & Advogados Associados.