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| Foto: Jos van Galen/FreeImages

Quando estava no terceiro ano da residência médica, pediram que eu avaliasse uma mesa de exames de última geração, totalmente acessível, que seria utilizada nos consultórios, tratamento especial aos pacientes com deficiência de mobilidade e deslocamento. A engenhoca chegava a 45 centímetros do chão para facilitar a transferência do cadeirante e tinha corrimão e pontos de apoio extras para quem tinha problemas de equilíbrio.

Eu avaliaria o equipamento como “usuária experiente”. Embora a mesa tivesse sido projetada para acomodar pacientes com deficiências, subi nela com a intenção de analisá-la do ponto de vista médico. “Vocês querem a minha opinião como paciente ou como médica?”, resolvi confirmar, para espanto dos representantes da empresa de equipamentos.

Sou cadeirante desde muito pequena, quando sofri uma lesão na coluna devido a um acidente na fazenda onde morava; hoje sou médica, especialista em reabilitação e em medicina esportiva. Na minha clínica, percebo todo tipo de reação quando o paciente descobre que a própria médica é deficiente; geralmente aqueles primeiros momentos antes da entrada na sala de exames – e de ter tempo de levantar a guarda – são os mais reveladores.

Qualquer um pode fazer parte, a qualquer momento, do grupo minoritário de pessoas com deficiência

Acho que esse comportamento tem um pouco a ver com a idade. Os mais jovens, tendo crescido em uma sociedade cada vez mais consciente das deficiências, praticamente não reagem. Dá para perceber que viram outros deficientes em cargos de poder e decisão em vários campos profissionais; já os mais velhos parecem confusos, curiosos ou, em raríssimos casos, consternados. Vários meses atrás, entrei no quarto de uma senhorinha. Ela olhou para mim, pôs a mão sobre a minha e, com um olhar bondoso, perguntou: “Você é inválida?” Mais recentemente, um homem idoso e jovial exclamou: “Você está de brincadeira!” Às vezes, o paciente hesita em me contar seus problemas, como quem dissesse: “Bom, doutora, eu me sinto péssimo reclamando aqui enquanto você está em uma situação muito pior que a minha”.

Há vários anos, ainda residente, eu estava na fila da lanchonete do hospital. Embora em meu crachá estivesse escrito “dra. Blauwet” e o estetoscópio estivesse bem visível, um homem perto de mim comentou: “Nossa, sua aparência está ótima. Quando vai ter alta?” Obviamente ele só conseguia enxergar a minha cadeira – e a relacionava com doença, e não com autonomia.

Ao longo dos anos, venho pensando bastante em situações como essas e não acho que sejam consequência só do preconceito, puro e simples, mas também da falta de experiência do público com médicos deficientes. Um estudo recente revelou que menos de 3% dos alunos das faculdades de Medicina têm algum tipo de deficiência – e desses, só uma proporção mínima sofre de problemas de mobilidade. Como podemos esperar que pacientes e colegas conheçam as perspectivas e necessidades dos médicos deficientes se continuamos invisíveis para eles?

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Os motivos para essa subrepresentação são complicados. A maioria dos médicos com deficiência de mobilidade vai dizer que não lhe falta habilidade no cumprimento competente das funções; como qualquer outro profissional bem treinado e capacitado, sabemos escolher o caminho que se adequa aos nossos talentos e aptidões. Adaptações razoáveis, como o uso de cadeiras de rodas verticais na sala de cirurgia, nos dão o acesso de que precisamos para trabalhar; as maiores barreiras estão no preconceito, tanto explícito como oculto.

Um colega tetraplégico conta que o funcionário do departamento de seleção de uma faculdade de Medicina lhe disse: “Infelizmente você não se encaixa nos padrões técnicos de admissão”. Embora carregada de intolerância e provavelmente ilegal, essa reação foi pelo menos mais direta que a forma mais comum de discriminação que os candidatos deficientes têm de enfrentar, ou seja, nem são chamados para uma entrevista ou recebem um telefonema depois dela. Enquanto nossos colegas são aceitos em universidades prestigiadas e ocupam posições acadêmicas, nós ficamos para escanteio, questionando se a culpa é nossa ou do sistema. Muitos desistem de vez das aspirações de uma carreira médica, preferindo se dedicar a funções mais “tradicionalmente adequadas” aos deficientes. Há aqueles que também perdem o sono, questionando se tomaram a decisão certa revelando sua condição nos formulários de inscrição.

Qualquer um pode fazer parte, a qualquer momento, do grupo minoritário de pessoas com deficiência, cuja causa mais comum nos adultos é, em termos simples, o envelhecimento. Os médicos quase sempre relutam em revelar insuficiências novas ou progressivas (como perda de visão ou audição ou mobilidade reduzida) por causa do medo da estigmatização; afinal, a medicina ainda é dominada pelo protótipo da destreza física.

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Lisa Iezzoni, professora da Faculdade de Medicina de Harvard, é minha mentora há anos. E me contou a experiência por que passou quando ainda estudava, no início da década de 80, antes de a Lei do Norte-Americano Deficiente ter sido aprovada: no primeiro ano de faculdade, depois de manifestar alguns sintomas físicos e sensoriais, foi diagnosticada com esclerose múltipla. No fim do terceiro ano, após uma queda, começou a usar bengala, mas manteve a intenção de fazer residência, apesar do desencorajamento explícito que recebia. Em um jantar para os alunos, um professor influente lhe disse: “Já há médicos demais neste país para nos preocuparmos em treinar uma deficiente. E, se isso significa que alguém vai ser deixado de lado, é realmente uma pena”.

A faculdade se recusou a fazer a carta de recomendação para a inscrição dela na residência e, por isso, não pôde fazer o treinamento exigido para a prática médica. Em vez disso, dedicou-se à pesquisa de políticas de saúde, tornando-se a primeira professora do Beth Israel Deaconess Medical Center, e hoje dirige o Mongan Institute Health Policy Center do Massachusetts General Hospital. Apesar de ter uma carreira de extraordinário sucesso, às vezes ainda pensa em como teriam sido as coisas se pudesse ter tido a chance de clinicar.

Não posso separar a minha identidade do meu papel profissional

A minha experiência, mais de 20 anos depois, foi totalmente diferente. Já cursando a Universidade do Arizona, eu me interessei pela medicina; fui atrás do processo de transferência e, depois de tudo pronto, comecei a estudar, fiz meus contatos, estágios e várias atividades que dariam mais peso à minha inscrição. Além disso, em momento algum abandonei o meu lado atleta, acabando por me especializar na corrida de cadeira de rodas e representar os Estados Unidos em três Jogos Paralímpicos.

No início de 2002, mandei minhas cartas de inscrição, garantindo a oportunidade de entrevistas em várias instituições de prestígio, e fui aceita em Stanford. Em nenhum momento ao longo do processo temi que minha deficiência me impedisse de obter o que desejava. Pude me concentrar no meu desempenho acadêmico em vez de gastar minha energia mental na preocupação com o preconceito enrustido.

Como membro da geração beneficiada com a Lei do Norte-Americano Deficiente, tive a sorte de ignorar o medo do fracasso por causa da minha deficiência. Simplesmente achei que seria avaliada pelo mérito, como meus colegas (também me dei conta de que meu triunfo atlético talvez me torne mais “normal”). Hoje entendo o privilégio dessa perspectiva. Não posso separar a minha identidade do meu papel profissional.

É comum ver deficientes mostrando medo ou insatisfação com o nosso sistema de saúde pública por causa da falta de acesso e das atitudes discriminadoras. Isso tem de mudar. Talvez ter mais médicos na mesma condição seja a solução. Como acontece com qualquer grupo subrepresentado na medicina, a diversidade profissional deve refletir a da população. Essa mudança, apesar de simples, pode gerar conscientização, empatia e uma experiência compartilhada, o que certamente nos torna todos melhores.

Cheri A. Blauwet é professora assistente da Faculdade de Medicina de Harvard, medalhista paralímpica e integrante do Comitê Olímpico dos Estados Unidos.
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