Soumission (Submissão) é o título do livro de Michel Houellebecq que fez muito barulho na época dos ataques de janeiro em Paris.
Segundo a mídia, o autor teria suspendido o lançamento e saído da cidade por causa da infeliz coincidência entre o tema de seu novo livro e o ataque levado a cabo por terroristas islâmicos ao jornal Charlie Hebdo e a um supermercado de comida judaica.
Houellebecq, já famoso por Partículas Elementares (Sulina, R$ 48, 296 págs.), é visto como um niilista.
Submissão é uma tradução possível para Islã. Mas quem leu o livro sabe que a trama transcende qualquer conceito da moda, do tipo “islamofobia”, e constitui mais um exemplo brilhante de distopia, do tipo 1984, de Orwell, ou Admirável Mundo Novo, de Huxley.
Estamos numa França pós 2020.
A Fraternidade Muçulmana Francesa, partido semelhante ao que há hoje na Turquia e à fraternidade muçulmana egípcia, ganha a eleição.
O novo presidente é um elegante francês muçulmano moderado chamado Mohammed Ben Abbes, que recebe apoio no segundo turno tanto do partido de Sarkozy (UMP) quanto do partido socialista de Hollande e Valls, contra Marine Le Pen do Front National.
Só que a França é, neste momento, um país rasgado por conflitos “identitários”, como é descrito no romance. De um lado, grupos jihadistas, criticados pelo próprio Ben Abbes, e de outro, grupos radicais de direita, inspirados pelo Front National, que os critica também.
Le Pen tenta reconstruir a imagem de seu partido como um defensor do espírito iluminista, mas fracassa.
A França cai nas mãos da Fraternidade pensando que, por ela não ser jihadista, não a submeterá a práticas islâmicas. O conceito de submissão no romance é cultural, e não político-militar.
O ceticismo com a política assola a população e o discurso de Ben Abbes encanta por sua moderação e sua chamada a valores “humanitários” como família, amizade, espiritualidade, e sua recusa do materialismo capitalista.
O personagem principal, um intelectual especialista em literatura francesa do século 19, é um deprimido –como quase todo mundo, aliás.
Esta questão é importante na trama: o ocidente se esgotou como “produtor de valores” e agoniza.
A França, representante deste modelo ocidental centrado no individualismo consumista e no narcisismo chique, está em pedaços.
Os solitários, sem laços familiares ou afetivos duradouros, abraçam a Fraternidade Muçulmana como opção política e cultural de salvação.
Ben Abbes é visto como um criador de valores. Uma nova França muçulmana, distante do materialismo capitalista e individualista, e que tem numa imaginária “Roma islâmica” seu projeto político, nasce em todas as instituições culturais francesas.
O foco da Fraternidade é a educação e a demografia. As mulheres são estimuladas à experiência da maternidade e “do cuidado com a vida” e as escolas ensinam o Corão.
O desemprego cai porque as mulheres voltam para as casas e sobram empregos para os homens.
Todos felizes. Na verdade, talvez, as pessoas gostem da submissão. Põe a vida em ordem.
A universidade, agora chamada Université Islamique Paris-Sorbonne, é uma das aderentes mais imediatas ao projeto de islamização.
Dinheiro das petromonarquias árabes banham a vida de alguns professores “de carreira”, na nomenclatura universitária (geralmente aqueles que privilegiam a carreira de poder institucional em detrimento a qualquer experiência intelectual de fato), garantindo que quem não se converte ao Islã perca o emprego ou tenha sua vida transformada num inferno.
Os judeus, claro, fogem.
É assim que acontece a submissão das pessoas em governos autoritários: o regime, através de seus agentes medianos e medíocres, torna a vida cotidiana de seus inimigos insuportável muito antes de empreender perseguições “espetaculares”.
Instrumentos institucionais comuns como órgãos colegiados, conselhos sociais e afins destroem a viabilidade de inserção profissional de seus adversários ideológicos.
Submete-se uma pessoa tirando seu café da manhã, seu almoço, sua janta, sua tevê a cabo e sua wifi. É o fim da Europa que conhecemos.
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