As alcunhas em epígrafe mais parecem categorias saídas de um RPG, mas o tema é bastante sério (e promissor). Startups podem ser definidas como novas empresas, cujo modelo de negócios, inovador e usualmente atrelado à tecnologia, ainda se encontra em fase de desenvolvimento. Fintechs, por sua vez, são startups e modelos orientados para soluções tecnológicas no sistema financeiro. Já unicórnios, ao menos nesse contexto, não remetem a animais mitológicos: no jargão do mercado, são as celebradas startups com excepcional valorização, atingindo valor de mercado superior a US$ 1 bilhão. O rol global de unicórnios ostenta empresas do calibre de Uber, Airbnb e WeWork. No Brasil, também já temos unicórnios conhecidos do leitor, como Nubank, PagSeguro, iFood e 99. Bons exemplos que demonstram que startups, em nosso país, não são mero neologismo.
A despeito de avanços recentes, ainda há muitos obstáculos para viabilizar ambiente que favoreça a proliferação de mais casos de sucesso Brasil afora. No ranking Doing Business, em que o Banco Mundial classifica as economias pela facilidade para se fazer negócios, ainda estamos na 124.ª posição – atrás de países como Papua-Nova Guiné e Namíbia.
Custos e procedimentos para a abertura de negócios em nosso país, reconhecidamente excessivos, prejudicam em especial o pequeno empreendedor – perfil mais recorrente dos criadores de startups. Acentua esse cenário o fato de que, segundo estudo da Accenture, mais de 75% das fontes iniciais de investimentos para startups advêm das próprias reservas pessoais de seus sócios.
Se as potrancas não puderem trotar livres pelos campos do mercado, dificultar-se-ão as buscas pelo corno de sua glória. Soa rodrigueano, mas não é nada disso que o leitor está pensando. Se o empreendedor não encontrar campo livre para tentar, falhar e ainda sobreviver com condição e estímulo para novas tentativas, a frustração, em vez de fecundar novas tentativas, fará apenas abundar epitáfios no necrotério empresarial. E a experiência mostra que os restos mortais de negócios mal-sucedidos são ótimos adubos para futuras empreitadas de sucesso.
As startups podem ter impacto substancial na economia brasileira, criando renda e gerando empregos
Nesse cenário, inegável que a Lei 13.874 (a conversão da MP da Liberdade Econômica), sancionada pelo presidente Bolsonaro em setembro, pode representar importante marco de desburocratização e estímulo à atividade empresarial. Dentre outras questões, a norma flexibilizou exigências para a exploração de atividades econômicas, e estabeleceu expressa diretriz de simplificação e redução de custos de transação a reguladores e demais entes da administração pública. Avanço importante e em linha com outras iniciativas, como a recente desoneração e modernização do regime de publicações empresariais para as companhias.
Ainda na onda de adaptação a essa nova realidade, nota-se que, em junho, Ministério da Economia, Banco Central, CVM e Susep divulgaram ação coordenada para estimular a adoção de tecnologias inovadoras nos mercados financeiro, securitário e de capitais. Prevê-se a criação de “sandboxes regulatórios”, espécie de ambiente regulatório experimental que pode avaliar, por exemplo, a modulação ou eliminação de requisitos regulatórios para reduzir, de forma segura, tempo e custo para desenvolver novos negócios e ideias inovadoras nesses mercados.
Sob perspectiva mais ampla, aguarda-se ainda a concretização do Marco Legal de Startups e Empreendedorismo Inovador, proposto em trabalho interministerial com participação ativa da sociedade civil (inclusive por meio de consulta pública). O marco deverá propor aprimoramentos e medidas para fomentar ambiente propício para startups, suprimindo gargalos, simplificando modelos societários e criando incentivos (inclusive fiscais).
É sabido ainda que o sucesso ou insucesso de startups não depende apenas de arcabouço normativo e regulatório eficiente, mas de inúmeros fatores que sujeitam tais negócios a natural incerteza. Isso requer dos seus fundadores, na partida, visão de mercado, plano de negócios claro, estratégia de crescimento, colocação bem definida e organização interna eficiente.
Governança eficiente é a que se adequa às características, porte, realidade e objetivos da empresa, alinhando interesses e incentivos, otimizando recursos, com transparência e responsabilidade. Sem governança evolutiva, em constante adaptação à evolução da startup e seu plano de negócios, a tendência é que seu crescimento não seja sustentável.
VEJA TAMBÉM:
- O Vale do Silício brasileiro (artigo de João Panceri e Aldo Macri, publicado em 4 outubro de 2019)
- Startups: um sonho possível (artigo de Marcos de Lacerda Pessoa, publicado em 28 de maio de 2018)
- O que pode mudar para o empresário a partir de 2019? (artigo de Marina Luiza Amari, publicado em 12 de setembro de 2019)
Afinal, especialmente em casos de rápida evolução, a startup precisa lidar com desafios como a transição entre a gestão centralizada de seus fundadores para a gestão profissional, assim como a comum pressão de investidores por resultados e retornos no curto prazo, contraposta à necessidade de investimentos iniciais pesados para desenvolver o modelo de negócio e inseri-lo no mercado (sendo essenciais, nesse ponto, transparência e alinhamento sobre objetivos e expectativas). A existência de mecanismos eficientes de governança é o que deverá mitigar conflitos, atrair investimentos, e reduzir o custo de capital, permitindo crescimento mais orgânico e ordenado.
Segundo a OCDE, o Brasil já é líder da América Latina em abertura de startups. Há, sem dúvidas, vasto potencial inovador no sangue do brasileiro – o desafio é conciliar este potencial com a consolidação de cultura empreendedora em escala no Brasil, trazendo a inovação para o cerne da atividade empresarial.
Mais do que expressão da livre iniciativa, as startups podem ter impacto substancial na economia brasileira, criando renda e gerando empregos. Diante de tantos desafios próprios do modelo, é essencial prover ambiente dinâmico, com segurança jurídica, simples e atrativo aos empreendedores, que favoreça a exploração de ideias inovadoras e a captação de recursos em linha com a agilidade e a competitividade inerentes a esse meio. Por isso, justificável e louvável a priorização concedida ao tema e seu tratamento como verdadeira política de Estado.
Naturalmente, ainda há longo caminho para dinamização do ambiente de negócios e (des)regulamentação do mercado brasileiro, mas, antes de colocarmos a carroça na frente dos cavalos (ou dos unicórnios), podemos reconhecer indícios claros da correção de rumo para regime, ambiente e cultura que proporcionem ao empreendedor – e ao Brasil – a oportunidade de inovar e crescer.
Diego Paixão é advogado associado ao Stocche Forbes e ex-assessor na presidência da Comissão de Valores Mobiliários. Filipe Brand é economista no Ministério da Infraestrutura e especialista no Instituto Millenium.