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O Supremo Tribunal Federal (STF), em Brasília
O Supremo Tribunal Federal (STF), em Brasília| Foto: Fellipe Sampaio/SCO/STF

O noticiário cotidiano, pautado pela crescente polarização da sociedade brasileira, não tem dado o devido destaque a alguns fatos de extrema gravidade. Ficamos, todos, imersos no show político de Brasília e não vamos fundo no registro e na análise de acontecimentos que, aos poucos, vão minando os pilares da democracia brasileira. Refiro-me, especificamente, aos sucessivos e preocupantes desvios do Supremo Tribunal Federal (STF).

O último deles mostrou que a Corte já não se dá ao trabalho de guardar as aparências. Tudo é feito às claras, com arrogância daqueles que se consideram estar acima de tudo. Uma decisão do STF tomada por meio do plenário virtual, sem transmissão pela TV Justiça, enterrou qualquer possibilidade de investigação contra um de seus ministros, Dias Toffoli. Como se sabe, o ministro Edson Fachin já havia negado liminarmente autorização para a Polícia Federal investigar a denúncia, feita pelo ex-governador Sérgio Cabral, de que Toffoli teria vendido sentenças quando era presidente do Tribunal Superior Eleitoral. Pois bem, o plenário da Corte decidiu anular a delação toda, que Fachin, ele mesmo, havia homologado no início de 2020. O pedido de anulação veio da Procuradoria-Geral da República, que não participou do acordo de colaboração premiada.

Toffoli negou as acusações e a argumentação da PGR foi aceita por sete ministros e rejeitada por quatro. Não vou discutir aqui os malabarismos processuais e técnicos que embasaram as alegações da PGR. Destaco, com indignação e em caixa alta, o verdadeiro escândalo que, a meu ver, não recebeu o destaque devido: o de um magistrado que não se declara suspeito e vota em causa própria. Como salientou editorial do jornal Gazeta do Povo “ao votar em um julgamento cujo resultado lhe interessava diretamente, Toffoli diz ao Brasil que os ministros do Supremo realmente consideram estar acima de tudo”.

Diz o artigo 252 do Código de Processo Penal que “O juiz não poderá exercer jurisdição no processo em que (...) IV – ele próprio ou seu cônjuge ou parente, consanguíneo ou afim em linha reta ou colateral até o terceiro grau, inclusive, for parte ou diretamente interessado no feito” – e era clamoroso o interesse de Dias Toffoli no sepultamento da deleção de Cabral.

O ministro Marco Aurélio Mello criticou o colega em entrevista ao portal UOL: “No lugar dele (Toffoli), teria me declarado impedido (...) Julgar em causa própria é a pior coisa para o juiz. Eu esperava que ele saísse do processo”, afirmou o decano da Corte. “Por isso é que o Supremo hoje em dia quase não é levado a sério. Isso é péssimo em termos institucionais. Perde a instituição. Não estou atacando o colega. Estou defendendo a instituição de integro”, comentou Marco Aurélio.

A atitude de Dias Toffoli não inaugura o placar do jogo surreal. Quando há interesses em campo, suspeições viram regras abstratas e fictícias. Dias Toffoli vota pela anulação de uma delação que poderia, e deveria, levá-lo a ser alvo de investigações, assim como também votou no julgamento do mensalão ainda que seu ex-chefe José Dirceu fosse um dos réus; da mesma forma, Gilmar Mendes já mandou soltar um empresário do setor de transportes carioca, mesmo sendo padrinho de casamento da filha do investigado. Mas a mesma corte, de costas para os fatos e para a sociedade, declarou uma suspeição, sem base nem nos fatos nem no direito processual, contra o ex-juiz Sergio Moro. E la nave va.

Não me canso de reafirmar meu respeito pelo Supremo Tribunal Federal enquanto instituição essencial da República. No entanto, as instituições não são abstrações. Encarnam-se nas pessoas que a compõem. A credibilidade da Corte depende, e muito, das atitudes dos seus integrantes. É a base da legitimidade. Perdida a credibilidade, queiramos ou não, abre-se o perigoso atalho para o questionamento da legitimidade. O STF, infelizmente, não tem contribuído para fortalecer sua credibilidade. É hoje, lamentavelmente, uma das instituições com maior rejeição. E isso é um grave risco para a democracia. Já passou da hora dos ministros saírem da bolhada arrogância e fazerem uma séria e honesta autocrítica. A sociedade está farta de inúmeras decisões do STF. E a instituição, goste ou não, está mergulhada numa gravíssima crise de imagem.

O Supremo Tribunal Federal tem ultrapassado todos os limites nas suas enviesadas leituras da Constituição, do Direito e dos fatos. Tem-se a impressão de que os ministros, protegidos pelo ambiente rarefeito da Corte, perderam a conexão com o mundo real. Vivem inebriados com o poder e seduzidos pela vaidade.

A higienização da ficha suja de Lula e a condenação de Moro configuram um sistema de governo imprevisto na Constituição republicana: a ditadura do poder Judiciário. Como já disse neste espaço opinativo, acho difícil, muito difícil, que a imensa maioria da sociedade brasileira, honrada, trabalhadora e sacrificada, aceite viver sob uma tutela injusta e arbitrária. Cabe à sociedade, com vigor e firmeza, pressionar o Senado para o necessário e urgente realinhamento e superação dos desvios do STF.

Carlos Alberto Di Franco é jornalista.

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