O leitor é sempre o melhor termômetro para medir a temperatura da sociedade. Em um de meus últimos artigos fiz uma radiografia da corrupção e defendi a seguinte prioridade no combate aos malfeitos: cobrar dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) o julgamento do mensalão.
Recebi uma enxurrada de e-mails de leitores de várias cidades brasileiras. Uma forte amostragem de opinião pública. Um denominador comum esteve presente em todas as mensagens: as pessoas não admitem o não julgamento do mensalão, com a consequente consagração da impunidade. Ao mesmo tempo, afirmam que o trabalho investigativo da imprensa deve continuar e aprofundar.
Em que pé estão as coisas? O processo aguarda a conclusão do trabalho de revisão do ministro Ricardo Lewandowski. Alguns crimes já prescreveram. Se o mensalão não for julgado em 2012, a probabilidade de impunidade é total. Em 19 de abril, assume a presidência do STF o ministro Ayres Britto. Conhecendo a biografia do ministro e suas tomadas de posição, é praticamente certo que o novo presidente queira julgar o mensalão durante sua gestão.
Chegou a hora do Supremo Tribunal Federal. Julgar o mensalão não é uma questão de prazos processuais. É um dever indeclinável. A cidadania espera que a Suprema Corte priorize o que é, de fato, relevante. Se o STF carimbar o mensalão com a prescrição, hipótese gravíssima, concederá, na prática, um passaporte para a institucionalização dos malfeitos.
A desqualificação do mensalão é essencial para aqueles que se apropriaram do Estado brasileiro. O primeiro sinal do desmonte do mensalão foi dado pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Ao deixar o governo, ele disse que sua principal missão, a partir de janeiro de 2011, seria mostrar que o mensalão "é uma farsa". A "farsa" a que se referia Lula derrubou ministros do seu governo, destituiu dezenas de diretores de estatais e mandou para o espaço a cúpula do seu partido. Encurralado, o então presidente só não caiu graças ao tamanho da incompetência da oposição.
Réus do processo passaram a ocupar postos altos nas estruturas dos Poderes. João Paulo Cunha (PT-SP) foi eleito presidente da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados. José Genoino foi nomeado assessor especial do Ministério da Defesa, então comandado por Nelson Jobim, ex-presidente do STF. José Dirceu, "o chefe da quadrilha" segundo escreveu o então procurador-geral de República na denúncia em que acusou a antiga cúpula do partido de Lula e de Dilma de se ter convertido numa "organização criminosa", transita com desembaraço nos corredores do poder.
Está nas mãos da Supremo assumir o papel histórico de defesa da democracia e dos valores republicanos ou Deus não queira virar as costas para a cidadadia. A sociedade tem o direito de confiar nos ministros do STF. Eles saberão honrar suas togas e suas biografias. Os brasileiros esperam que os ministros respondam à indignação da sociedade.
Não podemos mais tolerar que o Brasil seja um país que discrimina os seus cidadãos. Pobre vai para a cadeia. Poderoso não só não é punido, mas invoca presunção de inocência, submerge estrategicamente, cai no esquecimento e volta para roubar mais. Registro memorável discurso do ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo, quando assumiu a presidência do Tribunal Superior Eleitoral: "Perplexos, percebemos, na simples comparação entre o discurso oficial e as notícias jornalísticas, que o Brasil se tornou um país do faz de conta. Faz de conta que não se produziu o maior dos escândalos nacionais, que os culpados nada sabiam o que lhes daria uma carta de alforria prévia para continuar agindo como se nada de mau tivessem feito."
De lá para cá, infelizmente, a coisa só piorou. A ausência de punição é a mola da criminalidade. Mas não atiremos a esmo. Não publiquemos no domingo para, na segunda, mudar de pauta. Vamos concentrar. Focar no mensalão. O Brasil pode mudar de patamar.
Carlos Alberto Di Franco, diretor do Departamento de Comunicação do Instituto Internacional de Ciência Sociais IICS (www.iics.edu.br) e doutor em Comunicação pela Universidade de Navarra, é diretor da Di Franco Consultoria em Estratégia de Mídia (www.consultoradifranco.com). E-mail difranco@iics.org.br
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