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Por unanimidade, o Supremo Tribunal Federal (STF) rejeitou a exigência de autorização para a publicação de biografias. Intérprete fiel da alma constitucional e sintonizado com os tempos, liberou as biografias não autorizadas, encerrando polêmica gerada por personalidades que discordavam de ter suas histórias publicadas sem consentimento.

A relatora, ministra Cármen Lúcia, argumentou, no voto de 120 páginas, que a Constituição Federal garante a liberdade de expressão, de pensamento, de criação artística e científica, além de proibir a censura. Ela ressaltou que a liberdade de expressão não pode ser suprimida pelo direito das pessoas públicas à privacidade e à intimidade. Reconheceu haver riscos de abusos. Segundo o tribunal, quem se sentir ofendido pode recorrer ao Judiciário para reivindicar indenizações, retratações e direitos de resposta. É a lógica correta.

A ministra Rosa Weber, mais breve, foi certeira: “Controlar biografias implica tentar controlar a história e a própria memória”. É disso que se trata. Informação e intimidade, no jornalismo e no relato histórico, precisam estabelecer um diálogo respeitoso. O que não se pode é, em nome do direito à privacidade de uma pessoa, impedir a construção da história.

O interesse público está acima do interesse privado. O direito à informação, pré-requisito da democracia, reclama o direito e o dever de informar. E os jornalistas e os historiadores demandam liberdade para cumprir o seu dever de informar. A privacidade das figuras públicas é sempre relativa. A notoriedade traz consigo a incontornável necessidade de transparência.

Lembro-me, amigo leitor, de um episódio que deu o que falar. Frequentemente insinuada na cobertura dos jornais, a relação amorosa de Rosemary Nóvoa de Noronha, ex-chefe do gabinete da Presidência da República em São Paulo, com o ex-presidente Lula finalmente foi escancarada em uma discutida matéria da Folha de S.Paulo: poder de assessora vem de relação íntima com Lula, cravou a chamada de primeira página.

A privacidade das figuras públicas é sempre relativa. A notoriedade traz consigo a incontornável necessidade de transparência

A jornalista Suzana Singer, então ombudsman daquele jornal, fez oportuna análise da matéria. Sem usar a palavra “amante”, a Folha contou que, nas 23 viagens internacionais em que Rosemary acompanhou Lula, a então primeira-dama Marisa Letícia nunca estava presente. Segundo a reportagem, havia um esquema especial que permitia o acesso de Rose à suíte presidencial nessas escapadas. Seria um relacionamento de 19 anos, iniciado quando ela era bancária e ele, candidato derrotado à Presidência da República. “A Folha invadiu a privacidade de Lula? Sim. Era necessário? Sim.” As respostas de Suzana Singer às interrogações éticas, curtas e diretas, são redondas. Concordo plenamente.

Rose, gabando-se de sua relação íntima com Lula, tinha influência no Banco do Brasil. Trabalhou pela escolha do ex-presidente do BB e atual presidente da Petrobras, Aldemir Bendine, e indicou diretores da instituição. Como foi possível que Rose, uma antiga secretária do PT, acumulasse tanto poder, a ponto de influenciar em setores nevrálgicos do governo? Tudo isso, rigorosamente de interesse social, só ganhou dimensão pública graças ao trabalho da imprensa.

Só isso, e não é pouco, já justificaria a invasão da privacidade do ex-presidente Lula. A defesa do direito à intimidade não pode ser usada para impedir a investigação e revelação pela imprensa de informações de evidente interesse público. O direito à privacidade não pode ser jamais um escudo protetor. Algo análogo se aplica às biografias. Seria legítimo expurgar o episódio Rose de uma eventual biografia de Lula? O ex-presidente poderia proibir a narrativa de fatos desagradáveis da sua vida? Seria correto impedir que a sociedade conheça toda a história dos homens públicos, com suas luzes e suas sombras? Acho que não. E o Supremo Tribunal Federal, felizmente, votou a favor da democracia, da transparência histórica e da liberdade.

A sociedade não quer versões oficiais ou releases marqueteiros. Quer a força dos fatos. Onde for possível a censura prévia se esgueirar, se manifestar, não há plenitude de liberdade. Golaço do STF.

Carlos Alberto Di Franco é jornalista.
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