Tenho respeito pelo Supremo Tribunal Federal (STF) enquanto instituição da República e pilar da democracia. A Corte é, ou deveria ser, fonte de segurança jurídica e guardiã da Constituição. Alguns de seus ministros, promovidos à condição de celebridades midiáticas, ganharam gosto pela coisa. Falam demasiado, cantam seus votos antes do tempo e vão minando a confiança da sociedade na instituição. O ativismo judicial, a invasão da competência de outros poderes e a inequívoca politização de algumas decisões, compõem um quadro disfuncional perigoso.
Em debate promovido pelo site Poder 360, o ministro Dias Toffoli espraiou-se em descabida comparação entre atividades da imprensa e do Judiciário. Depois de se referir ao fato de que toda empresa de comunicação tem seu editor, explicou que “nós, enquanto Judiciário, enquanto Suprema Corte, somos editores de um país inteiro, de uma nação inteira, de um povo inteiro”. Declaração explícita de autoritarismo. Autêntico AI-5 informal do Judiciário.
Eu estava me recuperando dessas declarações e eis que a Corte envia um recado ainda mais grave. A segunda turma do tribunal decidiu excluir a delação premiada do ex-ministro Antonio Palloci dos autos de um processo contra o ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva. Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes formaram maioria contra Edson Fachin, relator da Lava Jato, que foi voto vencido.
Os dois ministros acataram os argumentos da defesa do ex-presidente, que contestou a condução do processo pelo então juiz Sergio Moro, que incluiu as acusações feitas por Palocci depois do encerramento da fase de coleta de provas. Segundo eles, o fato de a delação ter sido incluída de ofício no processo, isto é, sem a provocação de ninguém, a seis dias do primeiro turno das eleições de 2018 comprovaria que o juiz teria quebrado a imparcialidade e violado o sistema acusatório.
Como bem salientou editorial do jornal Gazeta do Povo: “a decisão dos ministros embaralha fatos desconexos no tempo, numa interpretação elástica da jurisprudência estabelecida. É como se quaisquer decisões tomadas a posteriori pelo ex-juiz na sua carreira colocassem em suspeição todos os seus atos passados, numa análise retroativa, o que iria na contramão do entendimento comum a respeito de suspeições, que devem ser declaradas contemporaneamente às decisões. As causas da suspeição estão previstas nos artigos 134 a 138 do Código de Processo Penal (CPC). Nenhuma delas prevê que a indicação posterior do magistrado para ministro por um dos candidatos envolvidos no pleito reputa fundada a suspeição, ainda mais na ausência de qualquer indício de que isso tenha sido objeto de negociação entre as partes anteriormente à decisão do então juiz. Uma interpretação demasiado elástica que vê nisso evidência de suspeição poderia servir para comprometer a atuação de bem mais de um juiz, em bem mais de um caso, ainda mais se feita a posteriori, tornando o processo penal marcado pela insegurança e por uma possibilidade de revisão permanente, sempre em cima das ilações mais irresponsáveis”.
“Afinal, caberia perguntar se o mesmo critério não poderia ser aplicado aos ministros do STF. Ou o ministro Ricardo Lewandowski não foi indicado para ocupar uma cadeira na Corte pelo ex-presidente Lula, justamente o maior beneficiado pela decisão da Segunda Turma? A mesma régua poderia comprometer a posição do presidente do STF, Dias Toffoli, pela atuação no passado como advogado do PT, em ações que envolvessem políticos do partido. Ou a do ministro Gilmar Mendes, pelas declarações públicas que tem dado nos últimos anos a respeito da Operação Lava Jato”.
A decisão, creio, é essencialmente política. O STF, aparentemente, entrou no jogo da corrida presidencial de 2022. Existe a possibilidade, cada vez mais concreta e real, de o ex-juiz Sergio Moro ser considerado parcial no julgamento do ex-presidente Lula. Moro condenado. Lula absolvido. E o combate à corrupção, indissociável da Operação Lava Jato, pode ficar como um lindo sonho numa noite de verão.
Carlos Alberto Di Franco é jornalista.
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