As relações de trabalho vêm se modernizando nos últimos anos e, até há pouco tempo, outras formas de contratação eram vistas como mecanismo de fraudar relações de trabalho e evitar o cumprimento de obrigações trabalhistas, como o pagamento das contribuições previdenciárias. No entanto, esse entendimento está mudando sob a perspectiva do Direito.
A contratação de prestação de serviços por meio de pessoas jurídicas — quando normalmente um sócio executa as tarefas —, por exemplo, era causa ganha na Justiça do Trabalho pelo trabalhador ‘pejotizado’ que reclamava vínculo empregatício. Hoje, as decisões têm ido por outro caminho a partir do entendimento do Superior Tribunal Federal.
Os órgãos julgadores voltaram a atenção sobre as mudanças no mercado de trabalho a fim de entender o cenário atual e revisitar as relações de trabalho tradicionais. Com isso, o STF chegou à jurisprudência atual, em que flexibiliza a compreensão a respeito do tema.
Recentemente, a 2ª Turma do STF cassou o acórdão da 10ª Câmara Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região (TRT15) que reconheceu vínculo empregatício entre um prestador de serviço contratado como pessoa jurídica e a Distribuidora de Medicamentos Santa Cruz. Prevaleceu o voto do relator, ministro André Mendonça, que enviou o caso para a Justiça Comum — um movimento raro. Ele foi seguido por Dias Toffoli, Gilmar Mendes e Nunes Marques. Apenas o ministro Edson Fachin divergiu.
Na ação, o autor, representante comercial contratado como PJ, solicitou à Justiça do Trabalho o reconhecimento do vínculo empregatício com a anotação na Carteira de Trabalho e o pagamento de todas as verbas trabalhistas. A decisão do TRT15 entendeu que o modelo de contratação adotado fraudava a legislação trabalhista, acarretando na modificação da estrutura tradicional do contrato de emprego regido pela CLT.
Mas o ministro Mendonça não viu dessa forma e enviou à Justiça Comum em observância aos paradigmas da Suprema Corte obrigatoriamente incidentes na matéria objeto, como a ADPF 324 e o Tema 725, que versam sobre a licitude da terceirização, e o Tema 550 e a ADC 66, que reconhecem a natureza civil da relação comercial entre empresas prestadoras de serviços intelectuais.
Esse movimento do STF dá luz à urgência de flexibilizar a postura estanque com que os tribunais trabalhistas vêm analisando a questão, invocando para si a preferência nos processos em que se discute a existência do vínculo empregatício de representante comercial, mesmo com precedente obrigatório do STF dizendo que compete à Justiça Comum o julgamento de processos envolvendo relação jurídica de representação comercial. Considerando as dificuldades inerentes ao acesso aos tribunais superiores e o viés protecionista da Justiça do Trabalho, ainda há resistência na adoção direta desse entendimento nos casos sobre relações de trabalho.
Não temos apenas esse caso na lista. Já são várias as decisões que vão na contramão da Justiça do Trabalho. E com a recente abertura de portas da Corte Constitucional para as reclamações que atacam a incorreção de decisões nesses processos de reconhecimento de vínculo empregatício, determinações como essa da 2ª Turma do STF, embora ainda raras, podem tornar-se mais frequentes. Mas, além de esperar que se mantenha esse acesso mais facilitado para corrigir equívocos em sentenças e acórdãos proferidos por magistrados trabalhistas, espera-se também que esses julgadores se proponham a adequar suas decisões aos precedentes vinculantes do Supremo Tribunal Federal.
Benôni Rossi é advogado trabalhista e sócio-diretor do RMMG Advogados.