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Não me canso de reafirmar meu respeito pelo Supremo Tribunal Federal enquanto instituição essencial da República. No entanto, as instituições não são abstrações. Encarnam-se nas pessoas que a compõem. A credibilidade da Corte depende, e muito, das atitudes dos seus integrantes. É a base da legitimidade. Perdida a credibilidade, queiramos ou não, abre-se o perigoso atalho para o questionamento da legitimidade. O STF, infelizmente, não tem contribuído para fortalecer sua credibilidade. É hoje, lamentavelmente, uma das instituições com maior rejeição. E isso é um grave risco para a democracia. Meu artigo é um alerta angustiado. Já passou da hora dos ministros descerem do Olimpo dos deuses e fazerem uma séria e honesta autocrítica. A sociedade está farta de inúmeras decisões do STF. E a instituição, goste ou não, está mergulhando numa gravíssima crise de imagem.
A decisão monocrática do ministro Edson Fachin que anulou as condenações de Lula da Silva decididas na 13ª Vara de Curitiba pelo então juiz Sergio Moro, no âmbito da Operação Lava Jato, e tornou o ex-presidente elegível não poderia deixar de causar um terremoto político e um tsunami de indignação moral. Como disse, oportunamente, a professora Catarina Rochamonte, colunista do jornal Folha de S.Paulo, trata-se daquele que é tido como chefe do chamado petrolão, aquilo que o ministro Gilmar Mendes, antes da sua conversão garantista, havia considerado como “o maior escândalo de corrupção de que se tem notícia”. Também “não se tem notícia de uma transmutação de valores como a de Gilmar Mendes, que, de entusiasta da Lava Jato, passou a fazer da destruição da mesma sua prioridade e obsessão”, frisou a colunista.
Edson Fachin, misteriosa e surpreendentemente, resolveu ressuscitar argumentos já analisados (e rebatidos) à exaustão sobre a competência da 13ª Vara para julgar as ações contra Lula. Para sustentar sua decisão inexplicável, Fachin afirmou que as ações contra Lula não tratavam especificamente da Petrobras, foco central da Operação Lava Jato de Curitiba. No entanto, o próprio ministro incluiu em sua decisão trechos da denúncia oferecida pelo Ministério Público Federal no caso do tríplex, em que está claríssima a ligação entre os favores recebidos pela empreiteira OAS e nomeações e contratos da Petrobras. Esta relação foi reconhecida em todas as instâncias nas quais Lula foi condenado -na primeira instância, pelo então juiz Sergio Moro, e no Tribunal Regional Federal da 4ª Região, como voto do relator João Pedro Gebran Neto sendo seguido pelos demais membros da 8ª Turma. Por fim, o Superior Tribunal de Justiça, que manteve a condenação de Lula, também analisou os questionamentos sobre a competência para julgar o caso e concluiu que não houve irregularidade alguma ao se realizar o julgamento na 13ª Vara, e pela 8ª Turma do TFR-4.
Em nota, Fachin disse que a questão já havia sido debatida diversas vezes no Supremo, mas que só agora reuniu condições de ser julgada corretamente. Ele assumiu o caso em 2017, depois da morte do ministro Teori Zavascki. Foram necessários quatro anos para decidir “corretamente” sobre um assunto que ele havia decidido outras tantas vezes de modo diverso? Nenhum problema. Faz tempo que a Corte deixou de lado os fatos e o Direito e embrenhou-se no campo de um ativismo de ocasião. O STF é, hoje, a principal fonte de insegurança jurídica no País.
Mas a coisa não parou por aí. Fachin errou feio ao anular os processos contra Lula, mas tão evidente quanto o fato de as denúncias e sentenças desses processos desmentirem sua argumentação é o fato de que, concorde-se ou não com essa decisão, uma vez anulados os processos, qualquer recurso impetrado dentro deles também se torna nulo.
Mas aí, caro leitor, aparece no horizonte o ministro Gilmar Mendes. Após segurar o caso por quase dois anos e meio graças a um pedido de vista, o ministro sentiu forte comichão e decidiu pautar o tema Moro na famosa Segunda Turma do STF.
Gilmar Mendes, em voto longo e carregado de parcialidade (afinal é um desafeto público de Moro), se dedicou à demolição da reputação de Moro, no que chamou de “maior escândalo judicial da nossa história”, e, apesar de dizer que nem seria necessário usar as supostas mensagens atribuídas ao ex-juiz e aos procuradores da Lava Jato, mencionou seu conteúdo com grande generosidade.
O fecho de ouro foi dado pelo ministro Nunes Marques, escolhido pelo presidente Jair Bolsonaro para o STF. Pediu vista. Um artifício para adiar a provável degola do ex-juiz Sergio Moro e para dar mais um empurrãozinho na Lava Jato rumo ao abismo diligentemente preparado num enorme acordão.
Não faz muito terminei um de meus artigos com um comentário premonitório: Lula absolvido e Moro condenado. A narrativa começa a ser construída. Agora só falta prender o responsável pela maior operação de combate à corrupção da nossa história. Caminhamos céleres rumo à ditadura do Judiciário. Acho difícil, muito difícil, que a imensa maioria da sociedade brasileira, honrada, trabalhadora e sacrificada, aceite engolir um sapo de tamanhas proporções.
Carlos Alberto Di Franco é jornalista.