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Luís Roberto Barroso
Presidente do STF relativizou crise que vive com o Congresso e disse que Três Poderes trabalham em equilíbrio.| Foto: Carlos Moura/STF

Há alguns anos, o Poder Legislativo brasileiro impôs uma proposta de “assepsia” da política, com o objetivo de retirar do cenário eleitoral os malversores da coisa pública. A iniciativa se fez valer com a Lei Complementar (LC) 64/1990. Estabeleceu-se, então, situações legais de causas de inelegibilidade, impedindo, assim, candidaturas de atores políticos que praticassem as condutas reprováveis definidas pelo texto. Em 2010, após forte pressão popular, o Poder Legislativo encampou a Lei da Ficha Limpa, efetivada por meio da LC 135/2010. A ideia foi ampliar a tal “assepsia” e dificultar ainda mais a vida dos candidatos considerados “fichas sujas”.

A mensagem que se passou – ao menos num primeiro momento –, foi a de que haveria um basta na corrupção e na aceitação de candidaturas que violassem a moralidade política. E a explicação é simples: a Lei Ficha Limpa torna inelegível por oito anos o político que tiver o mandato cassado, renunciar para evitar a cassação, ou for condenado por decisão de órgão colegiado, mesmo que ainda exista a possibilidade de recursos. Na prática, contudo, ainda existem espaços para a manobra da Lei de Inelegibilidade, que podem, inclusive, garantir, mesmo que temporariamente, que políticos condenados e considerados “fichas sujas” se lancem candidatos e até vençam o pleito eleitoral.

A Lei Ficha Limpa torna inelegível por oito anos o político que tiver o mandato cassado, renunciar para evitar a cassação, ou for condenado por decisão de órgão colegiado, mesmo que ainda exista a possibilidade de recursos.

Um exemplo prático dessa “burla” pode vir a ocorrer caso efetivada a cassação do deputado federal Marcelo Lima (PSB). Eleito em 2022 com mais de 110 mil votos no estado de São Paulo, o parlamentar corre o risco de perder a cadeira no Congresso Nacional por responder por infidelidade partidária. Independentemente do bojo do processo em tela, o que mais chama a atenção é o que vem depois: quem assume o cargo de Lima, caso este seja cassado, é o ex-deputado federal Paulo Pereira da Silva, o Paulinho da Força, na condição de suplente.

O absurdo jurídico recai no fato de o sindicalista ter sido condenado, em 2020, pelo Supremo Tribunal Federal (STF) a dez anos e dois meses de reclusão, e pagamento de multa, pela prática de crimes contra o sistema financeiro nacional, lavagem de dinheiro e formação de quadrilha. A condenação, inclusive, pesou nas eleições passadas para Paulinho da Força, justamente por conta da Lei de Inelegibilidade. Em setembro de 2022, o Tribunal Regional Federal (TRF) de São Paulo indeferiu o pedido de registro de candidatura do político por incidência prevista na Lei da Ficha Limpa.

Apesar disso, ele conseguiu participar das eleições do ano passado em função de uma liminar concedida pelo mesmo STF que o condenou anos atrás. O entendimento na época foi o de que a sentença do candidato na Corte não era definitiva, já que ainda estavam pendentes de apreciação embargos de declaração opostos – e com a possibilidade de recurso. Essa condição afastou a definitividade da condenação – logo, a mesma não pôde ser aplicada de imediato. O sindicalista, então, concorreu a deputado federal, cargo que vinha ocupando desde 2007. Porém, não se reelegeu. Restou-lhe a suplência. E, pela lógica político-eleitoral-partidária, na linha de sucessão de Marcelo Lima.

Nesta esteira de análise, verifica-se outra complicação, e não menos crônica na Justiça brasileira: a morosidade, sobretudo para algumas ações. Vejamos: Paulinho da Força foi condenado pelo STF em 2020, e, mesmo passados mais de três anos desde a condenação pela Corte, ainda não houve julgamento dos tais embargos de declaração, tampouco há previsão para tal. Verifica-se total falta de agilidade para esta demanda.

E, o pior: mesmo após julgados os embargos de declaração, o político ainda poderá opor embargos de divergência, e, somente após a apreciação final destes, é que saberemos se haverá ou não condenação definitiva. Até lá, muito pode acontecer, inclusive o sindicalista se tornar, de novo, deputado. Enquanto o STF decide – ou nesse caso, não decide – em definitivo o julgamento dos embargos, corre-se o risco de um candidato “ficha suja”, isto é, já condenado, entre outras práticas, por lavagem de dinheiro e formação de quadrilha, assumir um mandato eletivo.

Penso que a mesma pressa que o STF teve ao conceder a liminar para que o então candidato disputasse o pleito em 2022 deveria ser adotada para resolver sua condenação e afastar ou confirmar a possibilidade de seu retorno a um assento na Casa de Leis, como representante legítimo do povo brasileiro.

Wagner Gundim, advogado, doutor em Direito Constitucional, e em Filosofia do Direito, mestre em Direito Político e Econômico, é professor de Direito Constitucional, Eleitoral e Ciência Política e sócio-fundador do Gundim & Ganzella Sociedade de Advogados.

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