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Uma pesquisa nacional de saúde do IBGE divulgou que os lares brasileiros se destacaram por terem mais cães que crianças, totalizando 44,3% dos domicílios com pelo menos um cão e 17,7% com pelo menos um gato, levando a uma população canina de 52,2 milhões e felina de 22,1 milhões, com destaque para o estado do Paraná. Em um primeiro momento, essa notícia parece atrair mais a atenção do segmento de mercado de produtos e serviços para pets do que uma reflexão bioética. Contudo, alguns pontos devem ser olhados com mais cuidado.

A necessidade de interação dos humanos com outros seres vivos e de sentir-se parte dos processos naturais já é bem conhecida e compõe uma teoria denominada de “biofilia”, de autoria de Edward Wilson. A fantástica e sinergética relação entre homens e cães ilustra o mais admirável processo de coevolução e cooperação entre duas espécies em todo o reino animal. Pesquisas recentes já provaram cientificamente que a comunicação visual entre homens e cães é intermediada por hormônios como a ocitocina, o mesmo utilizado para o estabelecimento de elos entre pais e filhos.

A humanização dos animais tem trazido mais sofrimento do que bem-estar

A questão ética envolvida é se a decisão de conviver com um animal tem sido pautada em valores e princípios éticos norteadores de uma relação saudável para ambos. Os principais problemas ainda advêm de as pessoas projetaram suas necessidades, carências e expectativas no animal. Ao tratar o animal como filho, quebra-se o princípio ético da alteridade, que prediz que o outro deve ser visto através da sua própria perspectiva.

A humanização dos animais tem trazido mais sofrimento do que bem-estar. Atualmente, os animais de companhia, em especial os cães, têm sofrido das mesmas doenças físicas e mentais das pessoas: obesidade, diabetes, problemas motores, cardíacos, câncer, síndrome de ansiedade, transtornos compulsivos e até depressão. Os tutores não entendem que não devem se ver como proprietários dos animais; devem deixar a visão utilitarista de atribuir valor ao animal conforme os benefícios que podem extrair dele.

O homem criou raças com orelhas muito grandes, dobras proeminentes ou pernas muito curtas, que podem trazer problemas de saúde negligenciados em nome da representação social e simbólica que a estética do animal traz. Além disso, atribuir ao animal a função de suprir suas carências emocionais é um peso muito grande para o animal; ele sofre e as pessoas sofrem. Para mitigar esse sofrimento, já começa a surgir no mercado auxílio na retomada da relação saudável do tutor com o animal pelo adestramento, e segmentos da psicologia que trabalham o luto dos tutores.

O impulso em adquirir um animal, seja com um alto investimento, ou através de uma atitude pseudoaltruísta surgida momentaneamente diante de uma campanha de adoção, faz com que as pessoas levem para casa um ser que demanda atenção, cuidados e responsabilidades, nem sempre disponíveis. Em decorrência de problemas comportamentais – que apenas representam um grito de socorro do animal –, muitos são abandonados, fato facilmente presenciado nas ruas dos centros urbanos.

A oportunidade de conviver com um cão deve ser desfrutada, não atribuindo valores aos benefícios antropocêntricos, mas sim simplesmente por vivenciar a relação mais completa, intensa, incondicional que a natureza nos presenteou.

Marta Luciane Fischer, bióloga, é doutora em Zoologia, coordenadora do Ceua-PUCPR e professora titular do mestrado em Bioética da PUCPR.
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