Criadas na década de 50, a Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (Sudam) e a Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene) são programas de incentivo fiscal que fomentam o investimento produtivo privado nas regiões Norte e Nordeste do Brasil. Elas reduzem em 75% o IR gerado na operação, por um prazo de dez anos. Desde sua criação, os benefícios foram prorrogados diversas vezes, muito além do prazo inicialmente planejado. A última prorrogação foi até 2023, sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro em 2019.
Dentro do escopo da Sudam e da Sudene, enquadram-se projetos com as seguintes características: Implantação: aquele que proporciona a entrada de uma nova unidade produtora no mercado; Diversificação: aquele que introduz novas linhas de produção, com ou sem exclusão de linhas já existentes, para produzir um novo produto/serviço; Modernização parcial: aquele que introduz novas tecnologias, novos métodos e meios racionais de produção, modernizando parcialmente o processo produtivo de um empreendimento (uma ou mais linhas de produção); Modernização total: aquele que introduz novas tecnologias, novos métodos e meios racionais de produção, modernizando completamente o processo produtivo de um empreendimento; e Ampliação: aquele que amplia a capacidade real instalada de um empreendimento (uma ou mais linhas de produção).
Como exposto, os programas abrangem um amplo escopo de investimentos produtivos, com prazos prorrogados há mais de 70 anos. Isso é o oposto das melhores práticas do mercado, pois, quando se trata de incentivos tributários, os programas deveriam ter escopo de atuação bem delimitado e período definido. Ademais, não parece fazer sentido seguir fomentando a produção em uma região se ela não consegue ser competitiva mesmo após 70 anos de incentivos. Apesar da importância do tema, nosso objetivo não é avaliar o real impacto da Sudam e da Sudene, mas sim verificar o efeito do processo burocrático na efetividade do benefício.
Como qualquer outro pleito envolvendo órgãos e autarquias públicas, há um processo burocrático normal para se ter acesso aos incentivos da Sudam e da Sudene. Ele se arrasta por mais de um ano e requer um conjunto de documentações e pleitos para enfim ser concedido. Normalmente, as empresas contratam uma consultoria especializada no assunto. No entanto, a aprovação definitiva do benefício pela autarquia só ocorre quando a planta produtiva atinge ao menos 20% de sua capacidade real instalada. Até este momento do processo de concessão, há certo nível de incerteza quanto à elegibilidade do projeto ao incentivo em questão. Ou seja, o empreendedor deve investir no projeto sem ter a certeza de que seu projeto será aprovado para o benefício fiscal.
Para alguns setores, como o automotivo, a jurisprudência e o histórico de concessão dos programas de benefício trazem segurança suficiente para o empresário na sua tomada de decisão e investimento. Para outros, como o de logística, a incerteza se estende até o projeto estar operacional, o que gera ineficiência na implantação do benefício, como veremos. Ao compararmos dois projetos distintos de investimento, o impacto da incerteza na concessão do benefício se mostra latente, assim como o mau uso do dinheiro público.
Imaginemos a empresa A, com projeto de investimento de R$ 1 bilhão, Ebitda de R$ 220 milhões por ano, com uma taxa de retorno de 16% em 20 anos sem o benefício, e 21,7% com o benefício. A empresa B tem projeto de investimento de R$ 1 bilhão, Ebitda de R$ 201 milhões por ano, com taxa de retorno de 14% em 20 anos sem o benefício, e 19% com o benefício. Dado o critério de admissibilidade do benefício fiscal, ambas as empresas terão de optar pela realização ou não do investimento, antes de ter clareza quanto à concessão do benefício. Dado um custo de capital para ambas as empresas de 15%, o projeto da empresa A seria aprovado, enquanto o projeto da empresa B seria rejeitado.
Vemos que o projeto aprovado pela empresa A seria aprovado de qualquer forma, uma vez que, mesmo sem considerar o impacto do benefício fiscal, seu retorno já estaria acima do custo de oportunidade da empresa. Neste caso, o benefício não fomenta investimentos na região e, pior, onera os cofres públicos em R$ 410 milhões nos primeiros dez anos desse projeto. Já o projeto da empresa B, que não sairá do papel, seria totalmente viável se o processo burocrático da concessão do incentivo fosse mais eficiente.
É fato que há muito a ser reavaliado no que tange à Sudam e à Sudene. Passados 70 anos de incentivos tributários, as regiões continuam menos competitivas que as demais regiões do Brasil. O tema é complexo, em especial na atual conjuntura política. No entanto, fica claro que medidas mais simples, que objetivem a redução da burocracia, com regras e critérios mais claros e razoáveis para a concessão dos benefícios, poderiam aprimorar a gestão do dinheiro público, beneficiando as empresas que mais precisam dos recursos.
Tom Pessoa é associado do IFL-SP, formado em Economia com mestrado em Finanças, e atua como consultor em operações de fusões e aquisições, viabilidade de projetos e finanças corporativas.
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