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Dois livros recentes acenderam o sinal de alarme nos Estados Unidos. Um deles chama-se "Imperialismo Chinês", do qual não conheco detalhes, embora o nome seja auto-explicativo; o outro é um livro de Lester Brown, um respeitado cientista que tem se debruçado sobre as questões da economia e da exaustão dos recursos naturais e chama-se "Plano B: uma Alternativa para Salvar a Natureza sob Pressão e uma Civilização com Problemas". Os dados que alinha são realmente assustadores; se as curvas de consumo de materiais da China continuarem no ritmo atual, em 2031, ou seja, dentro de uma geração, os chineses estarão consumindo duas vezes mais papel e papelão do que tudo o que o mundo produz atualmente; e o mundo terá algo como 1 bilhão de veículos rodando, o que corresponde a mais de cinco vezes o parque automotivo atual. O consumo de outros insumos e produtos é da mesma magnitude.

Mais alarmante para os Estados Unidos é a afirmação de que, na busca por suprimentos globais que lhe permitam manter o ritmo acelerado de crescimento, a China está empreendendo uma agressiva campanha diplomática e empresarial, procurando se aproximar de países que possam lhe fornecer grandes quantidades de matérias-primas e insumos industriais, a começar pela América Latina. E aí é que o alarme soa para os americanos pois a América Latina sempre foi considerada por eles como um ''mare nostrum'', um quintal produtivo cativo. Ora, se os chineses concretizarem os negócios que prometem fazer na região, criarão para Hugo Chávez uma alternativa de mercado para as vendas para os Estados Unidos, os quais compram da Venezuela 15% do petróleo que consomem; criarão também para o Brasil alternativas de mercado para minérios, produtos de baixa elaboração industrial (siderúrgicos, etc.) e bens agrícolas que superam quaisquer volumes adicionais que possam advir de acordos com a Alca e com a Europa. Para o estanho da Bolívia, idem. Para o salitre e o cobre chileno, idem; e assim por diante. As conseqüências políticas são, também, fáceis de prever, com o cinturão de países governados por partidos esquerdistas com escassa simpatia pelos ianques, e que não pára de crescer, muito mais dispostos a orbitar em torno da liderança chinesa do que da liderança ocidental atual. O curioso é que os alertas a respeito da exaustão dos recursos naturais do planeta são coisa velhíssima, do meio da década de setenta: a pioneira Donella Meadows, que publicou o famosíssimo ''Limites ao Crescimento'' em 1975, está produzindo uma atualização balzaquiana de seu livro, enquanto que autores como Paul Erlich (''A Bomba Populacional'') ostentam aquele ar de ''eu não avisei?''. No entanto, os países desenvolvidos, com os Estados Unidos à frente, não quiseram ouvir e continuaram a confiar na inexauribilidade das reservas e na capacidade da tecnologia de dar novas soluções e respostas para a escassez. Pior ainda, continuaram a estimular um modelo de sistema econômico baseado no desperdício mais absoluto e na ostentação dos quais são prova as frotas de SUVs , aqueles jipões de luxo que a classe média abastada adora dirigir, a criação de uma quantidade de lixo doméstico per capita três vezes maior do que a de um francês ou alemão. Portanto, por que a surpresa, cara pálida? Porque até agora, a tal ameaça ecológica não tinha nome nem localização, agora tem: chama-se China. E porque a China, diferentemente dos outros adversários da hegemonia americana no passado, tem capacidades gigantescas que a deixam pouco vulnerável a retaliações dos Estados Unidos. Uma população de 1,3 bilhão de pessoas, um território enorme, uma capacidade produtiva e tecnológica crescente, um governo autoritário e que não perde tempo com salamaleques como direitos humanos e sociais, um sistema judicial submisso que faz o que o governo manda, uma capacidade de obeceder e desobedecer contratos a seu bel prazer e de acordo com as conveniências de momento. E last but far from least, um exército moderno de quase três milhões de soldados mobilizados permanentemente. Suprema ironia: a China só adquiriu o poder econômico e estratégico de que desfruta porque as empresas multinacionais transformaram o país em sua base produtiva principal e o mercado (pasme-se) americano, no mercado preferencial para os produtos chineses. Os americanos têm medo de que a China os desaloje de sua posição hegemônica no mundo, mas são e foram eles, exatamente, que alimentam e robustecem o inimigo que temem com suas compras e com seus investimentos. Enquanto isso, ficam espicaçando os países de menor peso político – Brasil inclusive – com picuinhas protecionistas e ameaças de tributação às exportações. Diria o Obelix com sua sabedoria gaulesa: ''ils sont fous, ces americains!'', são loucos esses americanos. São mesmo. Com tudo isso, abre-se uma enorme janela de oportunidade para o Brasil. Que não deve ser entendida, como uma possibilidade de dar vazão ao antiamericanismo imberbe dos nossos petistas no poder, que adoram uma oportunidade para ficar de mal com os países desenvolvidos e envolver-se em complicados raciocínios conspiratórios. A oportunidade que se abre é a de reforçar a capacidade negociatória do Brasil no caso da Alca e da União Européia. Somos um dos poucos países com território, população, capacidade tecnológica e espírito empreendedor capazes de, a curto prazo, colocar-se como um parceiro estratégico de peso no novo cenário que se delineia para os Estados Unidos e a Europa seriamente ameaçados de se tornarem potências de segunda categoria em menos de uma geração, pois na mesa de negociações estará sempre presente a ameaça da concorrência chinesa. No entanto, é bom lembrarmo-nos de que os chineses não são os nossos novos parceiros pois, na realidade, são nossos concorrentes. Para os que gostam de história, é bom lembrar que a China se autodenomina o "Império do Meio". Do meio de quê? Do mundo dividido entre Oriente e Ocidente? Não, do meio do universo entre a terra e o céu. Não deve ser exatamente tarefa fácil conviver com alguém que se considera acima dos mortais e a meio caminho do Reino do Todo-Poderoso.

Belmiro Valverde Jobim Castor é professor do Mestrado em Organizações da UniFAE e membro da Academia Paranaense de Letras.

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