A gravíssima crise política atual vem colocando o colendo Supremo Tribunal Federal no olho do furacão, forçando-o a se pronunciar sobre temas absolutamente complexos e institucionalmente delicados. Sem cortinas, a atrofia dos poderes políticos genuínos – Executivo e Legislativo – está gerando uma correlata hipertrofia do papel do Judiciário na estrutura do poder republicano. O fenômeno é sintomático e revelador, externando a fulminante decadência do aparelho político-partidário, cujo funcionamento se mostra totalmente incapaz de produzir líderes confiáveis e aptos a promover o diálogo democrático necessário à construção de um consenso mínimo possível.
Com a queda da ponte entre o Planalto e o parlamento, tem sido feita uma ligação direta com o Supremo para a solução de assuntos primariamente políticos e não jurídicos. Em outras palavras, o desespero da classe política está banalizando a alta função do egrégio STF, fazendo-o incursionar, indevidamente, sobre assuntos políticos ordinários ou por questiúnculas penais comuns de supostas majestades de nobreza venal.
O Supremo não é o divã de mulheres e homens públicos sem prumo nem rumo
Diante do corrente abismo político-parlamentar, tem, sim, o Supremo um papel fundamental na manutenção do equilíbrio republicano. Todavia, decisões judiciais não sustentam governos rotos. Sabidamente, o fato político tem uma lógica interna e uma dinâmica própria. Por assim ser, a desmedida e aflita busca de soluções judiciais pode gerar um feito reverso, levando ao agravamento da crise política e à consequente exacerbação exponencial das tensões na sociedade brasileira. Portanto, a colenda suprema corte não mais pode aceitar a subversão da ordem jurisdicional, mediante o uso e abuso de pedidos políticos fantasiados em petições judiciais.
Ora, até quando a suprema usurpação será tolerada?
Enquanto as respostas não chegam, nada melhor do que brindar a razão pensante. Em seu oportuno e agudo livro How Judges Think, o prestigiado professor da Universidade de Chicago Richard Posner, analisando o complexo e inalcançável ideal da neutralidade ideológica, ensina, com rigor, que “apartidário não é o mesmo que apolítico”. Ou seja, embora o juiz não deixe de ser um cidadão com inarredáveis preocupações políticas naturais, no ato de julgar deve utilizar a técnica jurídica como um instrumento de distanciamento decisório soberano, não podendo recair no partidarismo tão característico das lutas políticas parlamentares. Em termos mais exatos, questões jurídicas são inconfundíveis com assuntos políticos, cabendo ao magistrado ter a sensibilidade crítica para só, e somente só, conhecer de matérias que tenham total e pleno exaurimento com a fiel aplicação da lei.
Embora tenha uma inerente simbiose político-normativa, a Constituição é justamente a regra que separa o direito da política. Objetivamente, existem temas constitucionais de natureza política e normas constitucionais de aplicabilidade jurídica. A distinção serve, fundamentalmente, para fins de competência decisória: assuntos políticos são julgados no parlamento, através da consciência democrática de cada deputado e senador; consequentemente, não cabe ao Supremo analisar casos políticos em estado bruto, surgidos da ebulição dos interesses do momento e do entrechoque das forças partidárias em confronto.
A democracia é um organismo vivo que deve saber se adaptar às mudanças da composição majoritária, evitando que o governo seja transformado em um feudo a serviço de um partido pretensamente hegemônico. Por assim ser, a instância judicial não é uma via recursal para a reforma de derrotas políticas. Definitivamente, o Supremo não é o divã de mulheres e homens públicos sem prumo nem rumo.
Se a boa política é permanente, o poder é sempre transitório. Logo, questões políticas não transitam em julgado, pois a democracia é um processo aberto.
Em um momento nacional tão convulsionado, oportuno lembrar a inteligência superior do bom e velho Aliomar Baleeiro, que, na qualidade de então presidente do STF, ao olhar para a delicadeza daquele momento histórico, ponderou que “ninguém ignora que o direito dos períodos de crise não é o direito da época normal”, vindo a concluir que “medidas extremas são compreensíveis e inevitáveis, pela velha máxima do salus populi suprema lex est. Fui político e compreendo isso”. Estará claro ou cabível embargos declaratórios na espécie?
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