A geologia nos fornece convincentes evidências de que os seis continentes hoje existentes foram outrora um só, a chamada Pangeia. Essa porção antes indivisa de terra fragmentou-se e, milhões de anos depois, deu origem à conformação territorial que conhecemos. Mas esse mesmo movimento, inicialmente divergente, pode num futuro distante fazer os continentes novamente convergirem, originando um novo supercontinente.
A história guarda certo paralelo com a do Supremo Tribunal Federal, e talvez não tenhamos de esperar assim tantos anos para vê-lo voltar a funcionar como o colegiado que um dia foi. Nesse sentido, veio em boa hora a sugestão do ministro Marco Aurélio, que propôs emenda ao Regimento Interno da corte para ampliar a competência do plenário, nela incluindo a apreciação de pedidos de tutela de urgência contra atos do Legislativo ou do Executivo.
Um argumento que poderia ser levantado contra a proposta é que, na prática, ela daria a um ministro do Supremo menos poder do que dispõe um juiz de primeiro grau. Afinal, enquanto este tem competência para, sozinho, conceder liminar suspendendo ato de outro poder, aquele só poderia fazê-lo em colegiado.
Mas é justamente por ser muito mais fácil reverter uma decisão de primeiro grau que a de um ministro do Supremo que deste último se espera maior autocontenção. A bem da verdade, o próprio texto constitucional consigna, em seu artigo 97, regra similar, porém restrita aos atos de caráter normativo. Pela chamada cláusula de reserva de plenário, não só aos membros individuais, mas também aos órgãos fracionários de qualquer tribunal é vedado afastar a incidência de lei ou ato normativo do poder público sob a alegação de inconstitucionalidade – regra que não se aplica, naturalmente, ao juiz singular.
Outra objeção provável é que essa proposta tornaria a atuação do Supremo menos ágil. Ora, na verdade, um dos problemas é que a atuação, quando se trata de suspender atos de outros poderes, está rápida demais – tão rápida, com efeito, que as liminares estão sendo concedidas sem audiência da parte ou órgão que afetam. Vai-se, portanto, fortalecer também o princípio do contraditório: com o deslocamento desses feitos ao colegiado, haverá tempo hábil para a manifestação do réu ou requerido na ação.
Como toda proposta, contudo, também esta é passível de aprimoramento, e talvez o principal problema é que ela esteja sacrificando um mecanismo de autorregulação importante. Muitas vezes se tem visto o tribunal derrubar uma decisão monocrática após uma onda de críticas, e parte dessa flexibilidade seria perdida se as decisões fossem tomadas diretamente pelo órgão máximo da corte. Seria, então, preferível solução intermediária, que transferisse essa competência para as turmas em vez do tribunal pleno. Mas, mesmo como está, a proposta é muito melhor que o concerto de desconcertos que vemos hoje. Aguardemos o desenrolar da história, torcendo para que não tarde a convergência de nossos 11 supremos ministros em, efetivamente, um só Supremo Tribunal.
Gustavo Haddad Braga é formado pelo Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), nos Estados Unidos, e autor de O Estado constituído: Um curso de Direito Constitucional.
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