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Na mitologia das instituições brasileiras, vigora a lenda de que os membros do Legislativo são imunes a quem quer que seja. Como todos os mitos, os nossos revelam algo do caráter nacional: acredita-se que existem aqueles que têm o poder de se autoimunizar contra as vicissitudes da vida, desde o pagamento de tributos até a persecução penal. Porém, há momentos sensíveis também na vida dos mitos.

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O mais recente foi a decisão do STF de afastar um senador de suas funções (e impor-lhe recolhimento domiciliar noturno). Apesar da repercussão, o caso não é o primeiro dessas medidas penais preventivas. Há precedente de 2015, com a prisão de senador em pleno exercício do mandato. Apesar de a prisão de parlamentares só ser possível em flagrante delito de crime inafiançável, decidiu-se que havia risco às investigações. Depois de preso, em 2016 o próprio Senado cassou seu mandato.

Também em 2016, o então presidente da Câmara dos Deputados teve seu mandato suspenso devido a uso do cargo para obstruir investigações. Não há qualquer norma constitucional que autorize a decisão; entretanto, a tese foi a de que o afastamento seria menos gravoso que a prisão. Mas, em outubro do mesmo ano, ele foi preso. Em 2017, foi condenado a mais de 15 anos de reclusão. Tampouco aqui houve grita. Contudo, no mais recente caso as reações mudaram radicalmente.

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Interpretações excepcionais podem corroer a Constituição

Talvez isso se explique pela ampliação do público interessado. No início, a Operação Lava Jato movia-se contra 13 parlamentares. Atualmente, há 30 senadores investigados (além de deputados, governadores etc.). Logo, parte das críticas vem de sujeitos preocupados em salvar a própria pele. Mas isso não impede a análise objetiva das decisões.

Este caso mais recente chegou ao STF por denúncia de crimes de corrupção e obstrução de Justiça. São acusações graves, a gerar clamor para punição célere. Entretanto, só isso não é o bastante para as medidas restritivas: as garantias constitucionais não são entraves, mas mecanismos criados para assegurar um rol mínimo de direitos. O risco está em fazer com que a leitura enviesada, que pode parecer bem-sucedida porque gera punições, no longo prazo coloque em xeque as próprias garantias. A intervenção do Judiciário é excepcional, só quando demonstrada a causalidade entre o mandato e o exercício criminoso do poder dele advindo.

Os afastamentos são legítimos:Um ato de soberania do Supremo (artigo de Sebastião Ventura da Paixão Jr., advogado)

Mas atenção: isso não autoriza que o Legislativo deixe de cumprir decisões da Suprema Corte. Afinal, dois erros não fazem um acerto. Decisões do STF merecem deferência, por mais equivocadas ou açodadas que possam parecer. Caso demonstrado – e quem tem competência para isso é o Supremo – que o mandato legislativo está sendo manejado em direção ao crime, as medidas penais são remédio amargo e radical, mas válido.

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Ainda assim, a elasticidade interpretativa das possibilidades de prisão ou suspensão do mandato aumenta a insegurança e acirra o ambiente já polarizado. O uso de liminares como saneamento do mundo político é falacioso. O devido processo legal provavelmente não dará as respostas no tempo desejado pela opinião pública, mas é o único caminho para evitar arbitrariedades e oferecer tratamento equânime.

Interpretações excepcionais podem corroer a Constituição. Não defendamos mágicas interpretativas e punitivistas porque, como a fábula nos ensina, a dificuldade maior é desfazer o feitiço.

Egon Bockmann Moreira é professor da Faculdade de Direito da UFPR. Heloisa Fernandes Câmara é professora das faculdades de Direito da UFPR e do Unicuritiba.