Frente à pandemia, gestores públicos têm optado por suspender a execução de contratos administrativos. O ato é amparado pela discricionariedade administrativa, mas sua adoção exige atenção – e sobretudo responsabilidade – para com os seus efeitos e os custos adicionais que isso impõe ao contrato. Nesta lógica, a pergunta que intitula o presente artigo ganha grande relevância: em havendo suspensão, quem paga a conta?
Já no edital, prazos de execução do escopo devem ser divulgados, vinculando a administração, segundo o artigo 41 da Lei 8.666/93. Após, são internalizados nas propostas e no contrato. Este deve trazer em suas cláusulas, de forma clara e precisa, todas as condições para o adimplemento das obrigações do particular e para sua plena execução, como previsto no artigo 54, § 1.º).
Como a execução contratual deve ser programada, em sua totalidade, considerando prazos (artigo 8.º), trata-se de conteúdo mínimo. Prazos e cronograma são, assim, disposições essenciais a editais, propostas e contratos. Por isso, todo contrato administrativo pensado na lógica da Lei 8.666/93 deve ser aprazado (artigo 55, IV).
A obrigatoriedade não se deve ao acaso, mas à relevância de tais balizas temporais. Quando associadas ao escopo do contrato e às condições de pagamento, permitem, dentre outras medidas, dimensionar despesas com a prestação e definir preços, desenhar o fluxo de caixa da operação e programar sua execução.
Como resultado, prazos e cronograma integram a estrutura basilar do contrato e seu equilíbrio econômico-financeiro. O que não os faz imutáveis. É possível alterá-los quando situações supervenientes revelem a necessidade, ou conveniência e oportunidade, de fazê-lo para prestigiar o interesse público. Tal mudança poderá ser consensual ou impositiva, dado que a lei confere poderes para o gestor público modificar unilateralmente as condições do contrato (artigo 58, I) e prorrogar prazos contratuais (artigo 57, § 1.º). Inclusive mediante “interrupção da execução do contrato” por ordem e no interesse da administração (artigo 57, § 1.º, III).
Por meio destes dispositivos, a lei confere ao administrador a prerrogativa de suspender a execução contratual. Porém, o seu exercício não é isento de consequências – em especial, econômicas e financeiras. Isso porque a suspensão paralisa a entrega de bens ou serviços e seus pagamentos, mas não paralisa uma série de custos (sobretudo os fixos).
Cria-se, assim, um hiato em que o contrato só gera despesas, sem receitas correspondentes. Tais despesas são arcadas para que se possa retomar a execução do contrato assim que cessada a suspensão. Exemplificando: o parceiro privado precisa manter quadro de funcionários vinculados à atividade contratada durante o lapso da suspensão, ainda que improdutivo. Nesse período, mesmo sem receitas contratuais, o gasto com folha de funcionários persiste hígido e corrente. Muitos são os custos que neste hiato exigem desembolsos do particular, sem que ele disponha de entradas de caixa para adimpli-los. Custos não ordinários (vinculados à execução contratual), mas extraordinários (vinculados à manutenção de estrutura ociosa), que elevam sensivelmente o encargo do contratado e tornam o contrato excessivamente oneroso.
Esse cenário – agravado pelo fato de o parceiro privado não dispor de liberalidade imediata para desobrigar-se de tal ônus – não é admitido pela lei, que determina adoção de medidas compensatórias. Por isso, quando não decorrer de acordo, a suspensão atrai deveres simultâneos e reflexos para evitar o colapso do parceiro privado e da contratação.
A um, impondo àquele que determina a suspensão o dever concomitante de reequilibrar o contrato via aditamento (artigo 65, § 6.º). Tal dever, conatural à hipótese de alteração unilateral, é aqui reforçado porque a lei condiciona a alteração de prazos à manutenção do equilíbrio econômico-financeiro (artigo 57, § 1.º), refletindo diretriz constitucional presente no artigo 37, XXI, da Carta Magna. O gestor público deve adotar medidas que neutralizem os custos da suspensão – sobretudo aqueles que o contratado persiste suportando durante a paralisação, quando sua receita é nula. Isso porque “embora legítima a interrupção contratual, impõe-se o dever de indenizar os prejuízos suportados pelo particular em decorrência da paralisação, para resguardar a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro do contrato”, como definido no julgamento do Recurso Especial 734.696/SP, em 2009, que teve como relatora a ministra Eliana Calmon.
A dois, ante o dever de aditamento do contrato em lapso idêntico ao que perdurar a suspensão. Tal prorrogação não é escolha feita ao alvitre da administração, mas vinculada. É o que determina a lei ao registrar que, ocorrendo “sustação do contrato, o cronograma de execução será prorrogado automaticamente por igual tempo” (artigo 79, § 5.º da Lei 8.666/93). A obrigatoriedade legalmente imposta busca preservar as condições originais da contratação. Em especial, o lapso de prestação efetiva do serviço que permite ao parceiro privado diluir investimentos iniciais e buscar níveis de receita compatíveis à rentabilidade esperada pelo serviço que presta.
A três, ante a consciência de caso a suspensão perdure por mais de 120 dias, o gestor poderá promover a rescisão do contrato (artigo 78, XIV). Nesta hipótese, e desde que o contratado não tenha contribuído para as suspensões, a administração deve previamente indenizá-lo por prejuízos (que, a depender do caso, podem abarcar não só danos emergentes, mas lucros cessantes), acrescidos de devolução de garantias, pagamentos pelo executado até a rescisão e ressarcimento dos custos de desmobilização (artigo 79, § 2.º). Tal regra poderá ser excetuada quando a suspensão superior a 120 dias resultar 1. da soma de suspensões de menor lapso; 2. de calamidade pública; 3. de grave perturbação da ordem interna; ou 4. de guerra. Nestes casos específicos, o contratado poderá optar entre rescisão ou manutenção da suspensão até que a situação seja normalizada (artigo 78, XIV). Aqui, a lógica decisória é a oposta: a prerrogativa de escolha é do contratado, e não do contratante.
Estes três deveres devem ser avaliados como escalonamento para construção final da decisão a ser tomada, face a outras opções disponíveis. Se ainda assim o gestor optar pela suspensão, é justo que o faça. Porém – e aqui reside o cerne da resposta para a questão inicial – não é lícito que transponha o ônus daí decorrente ao parceiro privado. O exercício da prerrogativa de suspender a execução contratual gera uma conta que definitivamente não pode ser imposta de maneira arbitrária e irresponsável ao contratado.
Rafaella Guzela Peçanha, advogada e graduada em Administração, é especialista em Negócios do Setor Elétrico. Estevan Pietro, advogado, é mestre em Direito Administrativo e especialista em Direito Tributário.
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