Os 24 milhões de fumantes atuais estão concentrados mais nas populações de menor renda e escolaridade, as mais vulneráveis às estratégias de mercado
Hoje está sendo celebrado em todo o Brasil o Dia Nacional de Combate ao Fumo. Embora muitos avanços tenham sido conquistados na luta contra o tabaco, ainda não é o momento para comemorar. Atualmente, o mundo assiste a um alarmante crescimento da carga de Doenças Crônicas Não Transmissíveis (DCNT) como câncer, doenças cardiovasculares e respiratórias crônicas (bronquite, asma e enfisema), tendo o tabagismo como um dos grandes causadores. Esses males, se somados ao diabete, representam mais de 60% das mortes anuais no mundo, porém consomem menos de 3% dos recursos públicos e privados aplicados na saúde.
O fumo e outros fatores, como o consumo de alimentos com alto teor de gorduras saturadas e trans, sal e açúcar, o sedentarismo e o consumo nocivo de bebidas alcoólicas, causam mais de dois terços de todos os novos casos de DCNT no mundo e aumentam o risco de complicações nas pessoas que já sofrem dessas doenças. Das 35 milhões de mortes anuais no mundo por DCNT, cerca de 80% ocorrem em países em desenvolvimento. Nesse contexto, o controle do tabaco é considerado uma das intervenções mais prioritárias e viáveis em custo para enfrentar esse problema.
O tabagismo ainda é uma epidemia em franca expansão, principalmente em países em desenvolvimento. Uma situação que levou 192 países (inclusive o Brasil) a negociarem o primeiro tratado internacional de saúde pública sob os auspícios da Organização Mundial da Saúde (OMS), a Convenção-Quadro para Controle do Tabaco (CQCT) e a reconhecerem a indústria do tabaco como vetor da epidemia de tabagismo.
Hoje a prevalência de fumantes no Brasil é uma das menores do mundo, o que já se traduz em redução da mortalidade por doenças cardiovasculares (homens e mulheres) e por câncer de pulmão (homens). No entanto, ainda temos muitos desafios. Um deles é que os 24 milhões de fumantes atuais estão concentrados mais nas populações de menor renda e escolaridade, as mais vulneráveis às estratégias de mercado. Quase 24% da população ainda se expõem involuntariamente à fumaça ambiental de tabaco em seus locais de trabalho, índice também maior nas populações de menor renda e escolaridade.
Isso evidencia que a Lei Federal n.º 9.294, que desde 1996 proíbe o ato de fumar em recintos coletivos, não tem sido eficiente para proteger de forma adequada a população dos riscos do tabagismo passivo, pois ainda permite áreas reservadas para fumar (os populares fumódromos).
Alguns países e cidades que adotaram leis proibindo o ato de fumar em recintos coletivos já registram redução do número de internações por doenças cardiovasculares. Mas nesse quesito o Brasil ainda é devedor. E está nas mãos do Congresso Nacional a decisão de mudar isso. Desde 2008 tramita no Senado Federal o Projeto de Lei 315, com o objetivo de ajustar a Lei 9.294/96 às diretrizes da Convenção-Quadro.
Por outro lado, estados como São Paulo, Rio de Janeiro e Paraná, que se anteciparam e já ajustaram suas leis para esse fim, são alvos de ações de inconstitucionalidade movidas por incentivadores do tabagismo e correm risco de retrocesso. Enquanto isso, a OMS contabiliza 603 mil mortes por ano em todo o mundo devido ao tabagismo passivo, das quais 7,5 mil são de brasileiros.
É necessário que o Congresso Nacional dê especial atenção à aprovação do Projeto de Lei 315. Com isso será possível proteger ainda mais a saúde dos brasileiros, evitando doenças e salvando mais vidas.
Luiz Antônio Santini é diretor-geral do Instituto Nacional de Câncer (INCA) e Tânia Cavalcante é secretária executiva da Conicq (Comissão Nacional para Implementação da Convenção-Quadro de Controle do Tabaco).