Quando, em 8 de fevereiro, a princesa Ubolratana Mahidol, irmã do rei da Tailândia, se registrou como candidata ao cargo de premiê para as próximas eleições, pegou de surpresa um cenário político que já é naturalmente bastante complexo. Ela pretendia disputar o cargo pelo Thai Raksa Chat, um dos dois partidos afiliados a Thaksin Shinawatra e sua irmã, Yingluck, ambos ex-primeiros-ministros eleitos democraticamente e depostos por golpes militares – ele em 2006, ela em 2014.
Com isso, parecia que Ubolratana enfrentaria diretamente o atual primeiro-ministro Prayuth Chan-ocha, ex-general que lidera a junta responsável pelo golpe de 2014, também candidato na chapa do Partido Phalang Pracharath, pró-militar. Depois de tomar o poder jurando “respeitar e proteger a monarquia”, ele faz questão de cuidar para que os Shinawatras não voltem a governar, já que ambos continuam populares, principalmente entre a população rural mais carente, apesar de condenados por corrupção.
Pois em questão de horas o rei Maha Vajiralongkorn declarava que a indicação de sua irmã seria “inapropriada” e que ia contra a “intenção da constituição”, uma vez que os membros da família real estavam “acima da política”. Um verdadeiro frenesi tomou conta das redes sociais locais.
Além de toda essa teorização e toda a comoção que ainda está por vir, os acontecimentos extraordinários da semana passada – na verdade, dos últimos meses – revelam que a Tailândia é uma ditadura militar como nenhuma outra, já que está sob o comando real.
O que quer que aconteça após as eleições de março – se os partidos civis ganharem, ou as forças militares, ou alguma combinação dos dois para formar um governo de fusão –, nada vai recuperar a democracia na Tailândia. A votação servirá, porém, para desnudar os mecanismos que realmente movem a política nacional. Ao contrário do que se pensa, não são os militares que estão no comando; na Tailândia, o Exército propõe e o rei dispõe, e não o contrário.
Não são os militares que estão no comando; na Tailândia, o Exército propõe e o rei dispõe, e não o contrário
Depois de postergar repetidamente o próximo pleito, Prayuth parecia achar que seu partido poderia se dar bem na disputa e ganhar um tanto de legitimidade popular. De fato, pode até continuar no cargo de primeiro-ministro, pois segundo a constituição de 2017, elaborada pelos militares, após as eleições gerais o premiê é escolhido pela maioria simples da legislatura. Uma vez que a carta constitucional também prevê que os 250 membros do Senado são escolhidos pela junta, tudo indica que o partido de Prayuth (e seus aliados) poderá nomear o primeiro-ministro – basta apenas ganhar 126 cadeiras das 500 cadeiras que há na Câmara.
Acontece que os militares só nomeiam os senadores; o rei é quem tem de validar a seleção. O aval real é exigido antes de praticamente todas as indicações executivas e leis entrarem em vigor – em outras palavras, o rei da Tailândia tem poder de veto na maioria das questões importantes. E é impossível prever como ele será usado.
Apesar disso, já se delineou um padrão; Vajiralongkorn vai contra todas as expectativas ao exercer constantemente – ou, como alguns diriam, agressivamente – a prerrogativa real desde que subiu ao trono, no fim de 2016, após a morte de seu pai, Bhumibol Adulyadej.
Primeiro, postergou a promulgação da constituição de 2017, recusando-se a assiná-la – condição essencial para sua vigência – até que o texto fosse mudado de acordo com seu pedido. Uma dessas alterações redefinia o papel do Conselho Privado, órgão consultivo poderoso liderado pelo general Prem Tinsulanonda, ex-primeiro-ministro e um dos principais aliados de Bhumibol, esvaziando seu poder de ação como regente.
Vajiralongkorn também alterou radicalmente a composição da tal comissão. E conquistou emendas tanto para o Ato Sangha, que regula a ordem monástica budista, como para a lei que governa a Agência de Propriedades da Coroa, organismo que administra a enorme riqueza da família real. Todas essas mudanças só fizeram reforçar sua autoridade.
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Prayuth também enfrenta outros desafios. No mês passado, Vajiralongkorn nomeou o general Apirat Kongsompong, membro de sua guarda pessoal, para a tal entidade – isso, depois de já tê-lo promovido ao posto de Chefe do Exército, ainda que tais decisões tradicionalmente fiquem reservadas aos militares. Para completar, também demorou a assinar o decreto da junta que anunciava as eleições para março, colocando os generais publicamente em uma posição de incerteza e estranheza nesse meio-tempo.
Talvez mais significativa tenha sido a retirada das mãos dos militares de uma de suas principais ferramentas de repressão: a lei tailandesa de lesa-majestade, extremamente severa. A junta a vinha usando nos tribunais militares que operavam sob seu controle para processar opositores políticos, mas o rei insistiu no fim do procedimento – e, assim, nenhum caso novo parece ter sido registrado em 2018.
Com essas decisões, Vajiralongkorn não está só instaurando a própria versão do sistema de regras de seu falecido pai – ou o que alguns acadêmicos chamam de “monarquia de rede”, uma aliança de monarquistas, burocratas e empresários leais ao rei –, mas também consolidando, mediante mudanças legais de efeito duradouro, um Estado profundamente monárquico.
As implicações disso para as próximas eleições são óbvias: o outro partido pró-Shinawatra, o Pheu Thai, ganhou todos os pleitos realizados desde 2001 e deve vencer novamente em março (apesar de decidir não registrar candidatos para competir com seu aliado, Thai Raksa Chat, cujas chances de formar um governo agora parecem ser mínimas, depois da tentativa de candidatura de Ubolratana). Mas, mesmo que consiga, com ou sem outros partidos menores, seu destino estará nas mãos dos vários órgãos de supervisão dominados pelos militares.
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A constituição dá poder ao Comitê Nacional de Estratégia, que supervisiona um plano de desenvolvimento estratégico de vinte anos, para desafiar qualquer governo que não cumpra os objetivos desse projeto. O tribunal constitucional pode também desmantelar qualquer corpo governamental, bem como dissolver qualquer partido, até pela violação regulamentadora mais insignificante: como em 2008, quando tirou do cargo um primeiro-ministro popular por participar de programas culinários na TV, alegando que os pagamentos que recebia violavam a regra que proíbe a exploração de interesses comerciais extracurriculares.
E também há sempre a possibilidade de haver um golpe. O novo chefe do Exército do rei, que teve um papel crucial na deposição de 2014, não exclui a possibilidade de uma nova ocupação militar em caso de tumulto – e aqui está implícito um “caso seja necessário para proteger a monarquia”. Os Shinawatras podem ter parecido populares demais, e talvez eficazes demais na realização de alguns serviços públicos.
E assim, às vésperas de uma eleição tão aguardada, o curioso sistema político tailandês – a tutelagem militar de políticos civis, mas sob o comando real – parece mais arraigado do que nunca.
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