"Tudo o que você pensa que sabe sobre o Irã está errado". A revista norte-americana Newsweek abre sua edição do dia 1º de junho com esta manchete na capa. Nada menos do que 28 páginas, ou metade da publicação, são dedicadas à República Islâmica. Um esforço de reportagem louvável e uma tentativa honesta de desmistificar o preconceito reinante quando o assunto é o mundo islâmico e o Irã.
O amplo espaço dedicado à República Islâmica por uma das publicações mais influentes do mundo não ocorre fortuitamente. Este ano, pouco tempo depois de assumir a presidência dos Estados Unidos, Barack Hussein Obama enviou uma mensagem aos iranianos, por ocasião do Nouruz, o Ano-Novo persa, felicitando-os pela data e expressando o desejo de que fosse inaugurada uma nova fase nas relações entre os dois países.
Em abril último, após reunião do Conselho da União Europeia, os ministros comunitários emitiram um documento em que expressaram apoio à política norte-americana. "Esta discussão deve ser uma oportunidade para expandir o debate e, novamente, encorajar a União Europeia a considerar qual a melhor maneira de apoiar o engajamento dos Estados Unidos (na aproximação com a República Islâmica)", declarou a ministra britânica para Assuntos Europeus, Caroline Flint.
Estes fatos nos levam a concluir que há uma mudança no enfoque do relacionamento do Ocidente com o Irã. Por isso, o cancelamento da visita do presidente Mahmoud Ahmadinejad ao Brasil, em maio, revelou não apenas a submissão indevida dos grandes interesses do país e das grandes linhas da diplomacia brasileira à agenda às vezes secreta de grupos internos de pressão, bem como de interesses alienígenas. Colocou-nos na contramão da tendência mundial de buscar a distensão e o estreitamento das relações econômicas, políticas e culturais com a República Islâmica.
O Irã é uma nação de 70,5 milhões de habitantes, com um Produto Interno Bruto (PIB) que, no ano passado, atingiu a marca de US$ 842 bilhões. É a 19ª economia do mundo, à frente de países como Austrália, Argentina e Dinamarca. Entre 2000 e 2008, a corrente comercial (exportações mais importações) entre a República Islâmica e o Brasil quase quadruplicou: cresceu expressivos 280%, passando de US$ 302,8 milhões para US$ 1,148 bilhão. Somente no primeiro quadrimestre de 2009, o agregado apresentou expansão de 24% em relação a igual período do ano passado, pulando de US$ 269 milhões para US$ 333 milhões.
Nação de civilização milenar, o Irã é uma das raras democracias do Oriente Médio e um grande consumidor de alimentos brasileiros. Contudo, novas oportunidades de parcerias surgem em outros setores. A República Islâmica vem se destacando em setores de alta tecnologia. Ano passado, lançou em órbita o satélite de pesquisas meteorológicas Omid, transportado pelo foguete Safir 2, ambos de produção nacional. Além do segmento aeroespacial, devem-se destacar as pesquisas iranianas na petroquímica, medicina e energia nuclear, setores nos quais o Brasil também detém inegável expertise.
Se quiser se firmar como jogador global, o Brasil deve agir de maneira soberana e buscar uma relação mais íntima e profícua com a República Islâmica do Irã. Potência emergente da Ásia Centro-Ocidental, o país está localizado numa região de interesse estratégico crescente não só para o Brasil, mas para o mundo. Não podemos e não devemos pautar nossas relações exteriores numa agenda política que não é a nossa, nos interesses de grupos de poder minoritários e ruidosos ou dos preconceitos de uma intelectualidade pretensiosa e mal-informada (ou mal-intencionada).
Omar Nasser Filho é jornalista, economista e mestre em História pela Universidade Federal do Paraná. É membro do Instituto Brasileiro de Estudos Islâmicos e coautor do livro Um Diálogo sobre o Islamismo, Criar Edições, 2003.
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