Lado a lado com a forma de composição dos colegiados dos Tribunais de Contas, a questão da frequente aprovação de contas do Executivo "com ressalvas" é alvo de enorme desconhecimento e gera críticas nem sempre fundamentadas a essas instituições.
Quanto à composição do corpo deliberativo, é importante notar que a fórmula definida pela Constituição de 1988 (Art. 73, §2.º, c/c Art. 75) apenas agora, mais de 20 anos depois, pode ser vista plenamente aplicada, e mesmo assim não na totalidade dos Tribunais de Contas brasileiros. A "alternância" de indicações para o cargo de conselheiros, conforme a dinâmica difundida pela imprensa em geral, ocorreu apenas nessa fase de adaptação e, mesmo assim, de diversas formas nos vários tribunais. Disputas judiciais ajudaram a consolidar a normativa sobre esse tema que, por natureza, é seara de conflitos políticos e que, por destino, recebeu um comando de eficácia limitada: a Constituição determinou a distribuição das indicações entre os Poderes Executivo e Legislativo e previu o ingresso de profissionais de carreira no colegiado duas inovações que correspondem a enormes contribuições, mas não definiu a ordem de precedência da origem das indicações ou a ordem de precedência das vagas destinadas aos auditores/procuradores. Além disso, como a Constituição se referia originalmente ao TCU, a fórmula teve de ser adaptada aos Tribunais estaduais, municipais e distrital, o que não ocorreu sem problemas de aplicabilidade fática. A começar pelo número de vagas, que lá é nove, nos Tribunais estaduais é sete e em um dos remanescentes Tribunais Municipais é cinco.
Aqui mesmo no Paraná, após a promulgação da CF, as primeiras cadeiras que foram vagas receberam indicações da Assembleia Legislativa, para só depois o governador passar a decidir quem deveria preencher as três vagas que são de sua responsabilidade dentre as quais as duas que pertencem ao Corpo Técnico, Procuradores e Auditores, como bem notou editorial da Gazeta, sem no entanto completar que em relação a essas duas vagas, o governador decide os nomes a partir de lista tríplice elaborada interna corporis. Dessa forma se equilibrariam as forças entre os dois poderes, depois de quase um século de exclusiva indicação do Executivo no modelo brasileiro, e de 42 anos de formação da cúpula do Tribunal paranaense.
Completa a composição conforme a fórmula compulsória o que aqui aconteceu com a ascensão do Conselheiro Fernando Guimarães, advindo do Ministério Público Especial, as vagas são cativas da origem de indicação, e não há mais a propalada "alternância". Pelo menos não deveria haver. Como nota o editorial, isso faz pouca diferença no contexto de Legislativos regidos pela maioria governista. E isso são outros quinhentos.
Quanto às decisões do Tribunal, afirmam com frequência que "nunca condenaram um governador" ou que "aprovam as contas apenas com algumas ressalvas". Esquecem-se de que quem julga, aprovando ou desaprovando as contas do Executivo, é o Poder Legislativo. No caso específico das contas do governo, o papel do Tribunal de Contas é o de elaborar um parecer prévio, tecnicamente detalhado e em um prazo definido, cuja apreciação por seu colegiado serve sobretudo para aprovar o encaminhamento ao Legislativo e opinar sobre as virtudes e problemas das contas (as "ressalvas"), para que os representantes do povo eleitos possam, definitivamente, exercer sua função de controle sobre o Executivo. Quem quiser conferir, pode ler o Art. 75, I, da Constituição do Paraná, que reproduz com as devidas adaptações o Art. 71, I, da Constituição Federal.
Particularmente, considero os Tribunais de Contas um aparato de importância e uso subestimados, de enorme potencial e, ainda mais, tecnicamente preparados para os desafios que o amadurecimento da democracia poderá impor.
Adriana L. Domingos, cientista social, é técnica de Controle no TCE-PR desde 1993