Nos últimos anos, nota-se uma preocupação generalizada com a divulgação proposital de notícias falsas (fake news) na sociedade e suas potenciais consequências danosas.
Criou-se uma batalha midiática que coloca progressistas, socialistas, conservadores e liberais uns contra os outros, cada qual acusando os outros propagar fake news pelos meios de comunicação tradicionais e pelas redes sociais.
Se não bastasse, essa guerra se tornou política e resultou um projeto de lei (PL 2.630), elaborado pelo senador Alessandro Vieira, que institui a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet – ou, mais popularmente, a “Lei das Fake News”.
O Brasil é o país da engenharia social. Desde a Constituição de 1988, o Estado já criou e editou mais de 5 milhões de normas que regulam a vida do cidadão e incham o estamento burocrático. Seguindo a mesma “lógica”, o PL 2.630 visa fiscalizar e controlar mentiras que podem ser ditas nas redes sociais, assim como impor possíveis barreiras à criação de contas anônimas ou falsas.
O que não é novo aqui é o ataque à liberdade de expressão com regras absurdas (como, por exemplo, limitando o compartilhamento de mensagens), com a desculpa de “proteger” a democracia e a estabilidade social.
Por que essa discussão voltou à tona com força na grande mídia e no debate político? A resposta é a descentralização exponencial das fontes de informação: com a popularização da internet e das redes sociais, é possível divulgar conteúdos de forma dinâmica, com custo mais baixo.
De fato, é normal que haja resistência do grupo que detinha o monopólio da informação, quando esse é afetado por novas tecnologias e formas de fazer as coisas, em um cenário de competição.
Por exemplo, veja a questão da carona: antigamente, você tinha confiança de pegar uma carona (com um táxi), pois o governo “certificava” quem podia ou não prestar o serviço; hoje, com o advento da tecnologia, empresas de aplicativos como o Uber criaram sistemas de validação e avaliação de condutores de forma descentralizada, a ponto de taxistas se revoltarem publicamente e colocarem a falta de controle governamental como pauta.
A mídia brasileira, historicamente dependente de suas relações políticas, sofre bastante com a descentralização, pois perde espaço em um cenário de livre mercado dentro do qual as fontes de informação são incontáveis.
As consequências utilitárias dessa descentralização são sempre benéficas? Não. Pense na seguinte analogia: a questão da abundância de alimentos na sociedade atual. Sociedades como a brasileira, que passaram da escassez para a abundância em poucas décadas, lidam hoje com novos desafios, como o problema da obesidade.
Da mesma forma, uma sociedade com escassez de fontes de informação passa por um processo de aprendizagem em um mundo mais conectado; afinal, agora existem mais opções na “prateleira”.
Pode-se pensar que casos como o do linchamento de Fabiane Maria de Jesus, em 2014, no litoral de São Paulo, motivado por um ímpeto bárbaro de pessoas que acreditaram em uma notícia falsa que circulava na internet sobre uma suposta sequestradora de crianças, passarão a ser cada vez mais raros, e a solução de mercado, os serviços de checagem de fatos, assim como sistemas de avaliação de confiabilidade, serão gradualmente mais utilizados.
O fato é que fake news sempre existiram, seja na mídia tradicional ou no vasto mundo da internet. Como disse Jeffrey A. Tucker, em seu artigo “Fake News Is Still Free Speech”, de 2017, ao criticar leis que controlavam as mídias dois séculos atrás: “Nós não agimos mais dessa forma, baseados na convicção geral de que liberdade para todos é melhor do que a tentativa de controle.
Por quê? Liberdade cria condições dentro das quais a verdade possui uma chance de emergir, enquanto que a tentativa de controle termina em politização do que somos e do que não somos permitidos a ouvir. Sim, liberdade não garante nenhum resultado em particular, mas traz uma chance de luta aos bons resultados, enquanto que reforça outras coisas importantes, como os direitos humanos”.
Já que somos livres, onde deveríamos traçar a linha? Sociedades mais maduras entendem que quem recebe a informação é responsável pelo que fará com ela, e que censurar os emissores não é uma opção. Só assim podem preservar um dos principais direitos, racionalmente deduzidos, do indivíduo, a liberdade de expressão.
Hans-Hermann Hoppe demonstra, em seu artigo “A ética e a economia da propriedade privada”, que o cerne do problema da ordem social está no fato de seres humanos dividirem um mundo de recursos escassos (finitos); portanto, se qualquer ação de cada indivíduo fosse permitida, independentemente das consequências, naturalmente o conflito pelos recursos seria inevitável.
Surge, então, a ética da propriedade privada como regra que soluciona este problema fundamental, e é aí que traçamos a linha: quando uma informação falsa é utilizada para fraudar contratos voluntários, cometer falsas acusações ou qualquer outro tipo de violação aos direitos naturais de outras pessoas, e que resultam em danos materiais, faz-se necessário o império da lei em uma arbitragem jurídica para se garantir direitos de resposta, reparações e devidas punições.
Entender os direitos naturais dos indivíduos é vigiar as ações afirmativas do Estado, sempre acompanhadas de falsas premissas como “segurança pública” e alimentadas pelo medo. É saber que o verdadeiro conhecimento está fragmentado e disperso na sociedade em geral e cabe a nós sermos responsáveis por lidar com nossa liberdade.
Gabriel Maradei é engenheiro mecânico, coordenador de vendas na Messer Gases, pós-graduando em Escola Austríaca no Instituto Mises Brasil e associado ao Instituto de Formação de Líderes de São Paulo (IFL/SP).
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