| Foto: John Moore/AFP

Há mais de 48 mil pessoas nos centros de imigrantes espalhados por mais de 200 localidades nos EUA; dessas, pelo menos dois terços são mantidos confinados por empresas privadas, contratadas pelo governo federal, de acordo com o Centro Nacional de Justiça para o Imigrante. Esses números explodiram nos últimos dois anos, desde o início do governo Trump, chamando nova atenção para as péssimas condições de vida dos detidos.

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Uma característica dessas unidades terceirizadas – o Programa de Trabalho Voluntário – é objeto de seis processos judiciais diferentes. Todos afirmam que essas instituições estão coagindo os detentos a trabalhar por US$ 1/dia e punindo os que se recusam a fazê-lo. O objetivo dos processos, entre outras coisas, é acabar com essa prática e permitir que os imigrantes recebam o salário mínimo.

O Congresso não deve esperar pelo veredito dessas demandas. Os democratas ganharam a casa, ou seja, mesmo que não consigam impedir as medidas anti-imigratórias do presidente, pelo menos podem elevar esse valor obsoleto e explorador de remuneração. E da mesma forma que rejeitaram o pedido de Donald Trump, que queria US$ 5,7 bilhões para erguer o tal muro, devem dizer não à requisição de US$ 2,8 bilhões para expandir as unidades para acomodar até 52 mil leitos.

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O trabalho prisional, quase tão antigo quanto o próprio sistema carcerário norte-americano, é protegido pela 13.ª Emenda, que aboliu a escravidão e limitou a servidão apenas à punição por um crime. Essa exceção significa que os presídios podem exigir que os presos trabalhem, mesmo sem compensação.

Detidos afirmam que o tal programa de trabalho não tem nada de voluntário

Acontece que a detenção de imigrantes é confinamento civil, não criminal. As pessoas mantidas nesses centros não foram acusadas de crime nenhum; estão apenas aguardando a resposta de requerimento de asilo ou audiência para deportação. De acordo com a iniciativa do Serviço de Imigração e Controle de Alfândegas (ICE), porém, eles não precisam pagar aos trabalhadores mais do que US$ 1 por dia, valor definido pelo Congresso em 1950 e codificado na Lei de Apropriações de 1978, nunca aumentado nem ajustado pela inflação.

Acontece que os detidos afirmam que o tal programa de trabalho não tem nada de voluntário. Se tentarem tirar o dia de folga ou se recusarem a trabalhar, os funcionários os punem, tirando-lhes algum item essencial, ameaçando-os de transferência para outras alas mais perigosas ou de trancafiá-los em suas celas. Wilhen Hill Barrientos, guatemalteco que pediu asilo e autor do processo contra o Centro de Detenção Stewart da CoreCivic, na Geórgia, conta que tinha de concordar em trabalhar por alguns centavos/hora, para não ficar sem os itens mais básicos, como sabonete, que obtinha somente por intermédio dos oficiais.

Na ação, Barrientos afirma que, uma noite, foi acordado para o turno das duas da manhã na cozinha, embora estivesse escalado para o das dez da noite – e, quando se recusou a levantar, o guarda ameaçou transferi-lo para um dormitório problemático e violento, o que não lhe deixou outra opção a não ser obedecer.

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A mexicana Martha Gonzalez ficou detida em três unidades da CoreCivic no Texas, de maio de 2016 a agosto de 2017, enquanto aguardava o visto T-1, concedido a vítimas de tráfico humano. Trabalhava na cozinha e separava as roupas. Ela conta que, um dia, tentou tirar o dia de folga e os funcionários a puniram, recusando-se a lhe fornecer itens de higiene pessoal, como absorventes e pasta de dente.

Opinião da Gazeta: Vergonha americana (editorial de 21 de junho de 2018)

Leia também: Um olhar ao “belo muro” de Trump (artigo de Luis Alberto Urrea, publicado em 9 de março de 2018)

A CoreCivic não respondeu às alegações de Gonzalez, mas diz que seus programas de trabalho são “totalmente voluntários” e que “o detido não fica sujeito a nenhum tipo de ação disciplinar se optar por não participar deles”.

Para um representante do Grupo GEO, as alegações dos processos são “infundadas”. “O programa é estritamente voluntário e fornecemos produtos de higiene gratuitamente, de acordo com os pedidos individuais”, garante.

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As empresas privadas contêm menos de 10% da população carcerária nacional, mas mais de 70% dos centros de detenção de imigrantes. O governo lhes paga um preço fixo diário por pessoa, ou seja, elas têm um incentivo econômico para gerir as instalações da forma mais barata possível, contando com os estrangeiros para preparar as refeições, limpar os corredores e banheiros, cortar a grama e até o cabelo.

Em 2016, o lucro da CoreCivic com Stewart (onde Barrientos e outros detentos trabalham na cozinha) foi de cerca de US$ 38 milhões; em 2017, os contratos com o setor de imigração corresponderam a 25% de seus US$ 444 milhões em rendimentos. Para o Grupo GEO, eles responderam por 19% dos US$ 2,26 bilhões de lucros em 2017.

Os centros de detenção oferecem o mínimo aos estrangeiros, embora cobrem uma exorbitância por suas necessidades

Ao mesmo tempo, os centros de detenção oferecem o mínimo aos estrangeiros, embora cobrem uma exorbitância por suas necessidades: ali, um telefonema de quinze minutos chega a custar US$ 12,75; um tubo de pasta de dente de pouco mais de cem gramas, US$ 11.

Essas duas corporações se tornaram gigantes do setor prisional privado. Entre 2016 e 2018, a CoreCivic gastou US$ 2,8 milhões em lobby e mais de US$ 700 mil em contribuições de campanha; o Grupo GEO, US$ 4,4 milhões e US$ 2,5 milhões, respectivamente. Cada um doou US$ 250 mil à cerimônia de posse de Trump.

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Elas culpam a Lei de Apropriações de 1978 pelas baixas remunerações – ou, como o Grupo GEO justifica, “os valores associados ao programa federal são estipulados por diretrizes há muito estabelecidas pelo Congresso dos EUA”.

Isso é verdade. E se a casa decidisse forçar essas empresas a pagar o salário mínimo nacional, suas margens de lucro despencariam.

Leia também: Por que não é lícito fechar as portas àqueles que buscam refúgio? (artigo de Rodolfo Ribeiro C. Marques, publicado em 2 de setembro de 2018)

Leia também: Quando os migrantes são tratados feito escravos (artigo de Jacqueline Stevens, publicado em 8 de abril de 2018)

O problema é que a regra do dólar-por-dia tem defensores ferrenhos. Em resposta à ação coletiva na qual estrangeiros ex-detidos se disseram forçados a trabalhar, 18 parlamentares republicanos enviaram uma carta, em sete de março de 2018, ao então procurador-geral Jeff Sessions, ao diretor do ICE e ao secretário do Departamento do Trabalho, pedindo a esses órgãos que ajudassem o Grupo GEO a se defender. “A menos que suas agências intervenham nesses processos, o cumprimento das leis de imigração ficará prejudicado, e o resultado final será um gasto desnecessário de milhões de dólares em despesas extras com a detenção de imigrantes”, disseram. Em outras palavras, eles temiam que, se as prisões privadas fossem forçadas a pagar salários decentes, as empresas responsáveis por elas teriam de repassar os custos ao governo federal.

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As ações não querem acabar com o Programa de Trabalho Voluntário; seus requerentes sabem que esse tipo de iniciativa permite aos detidos comprar coisas de que necessitam e manter contato com os entes queridos por telefone, o que se torna mais urgente com o maior número de famílias sendo separadas. Na verdade, elas querem é acabar com a exploração, pedindo um salário justo em troca de sua mão de obra.

Sim, a prática encareceria enormemente a operação desses centros – mas, se as instalações privadas dependem de um modelo baseado em trabalhos forçados, talvez não devessem nem existir.

Victoria Law é jornalista e autora de “Resistance Behind Bars: The Struggle of Incarcerated Women”.
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