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| Foto: Luís Dantas/Wikimedia Commons

Por três anos, a população de Brasília assistiu ao governo do Distrito Federal e ao governo federal construírem, ao custo de R$ 2 bilhões, um estádio para 70 mil espectadores – em uma cidade em que seus times carecem de torcedores – enquanto, a poucos quilômetros, seu Teatro Nacional estava fechado e se degradando.

Diante desse desperdício de recursos e desse crime contra a cultura brasileira, os artistas de Brasília silenciaram por duas razões: a afinidade em relação aos governos federal e local, e a tradição brasileira de considerar que os recursos fiscais são ilimitados, sem disputa entre as diferentes prioridades. O caso de Brasília não foi único: nos últimos anos, dezenas de museus, cinemas e teatros foram sendo depredados, degradados e abandonados, ao lado de novos estádios e outros gastos públicos.

Mesmo entre os poucos artistas que se manifestaram em defesa da recuperação do teatro, nenhum se manifestou contra o desperdício do estádio por não perceber que cada tijolo usado em uma obra não pode ser utilizado em outra; eles não tinham a percepção de que os gastos públicos exigem escolha: estádios ou teatros, viadutos ou escolas, palácios ou saneamento.

Pena que muitos ainda prefiram a ilusão fiscal do orçamento à ilusão artística do teatro

Felizmente, nesta semana, o ministro Roberto Freire e o presidente Temer assumiram o compromisso de recuperar e reabrir o Teatro Nacional Claudio Santoro. Mas, diante das novas regras que definem um teto para os gastos da União, a vida política e fiscal brasileira vai entrar em um tempo de realismo na escolha de suas prioridades. A disponibilidade de recursos orçamentários para uma ou outra finalidade vai depender de luta política na elaboração do orçamento federal. Por isso, os artistas que até aqui assistiram calados a um teatro definhar à sombra de um estádio que surgia precisam estar atentos. Será preciso convencer os eleitores para que eles convençam os governos e parlamentares a preferirem um teatro necessário a um estádio sem função. Caso contrário, democraticamente, o teatro continuará fechado e o estádio, vazio.

Os gregos separaram aritmética e dramaturgia, a fantasia nos palcos e a realidade na política. Foi a aliança dos políticos de todos os partidos com os líderes de classes, patronais ou trabalhistas, que nos passou a ilusão de que os recursos financeiros públicos seriam ilimitados, permitindo fantasias na política. A partir de agora não bastará lutar por mais recursos para o teatro, será necessário lutar também para tirar recursos para outras finalidades. A política subirá para o mundo da realidade, por disputas conforme interesses, preferências, lutas entre classes. A ilusão ficará no palco, nos roteiros das peças, nas partituras, no destino dos personagens, não na política e nas finanças.

Pena que muitos ainda prefiram a ilusão fiscal do orçamento à ilusão artística do teatro; e o sectarismo faça com que alguns artistas fiquem contra a recuperação do teatro porque estará sendo feita por um governo ao qual se opõem.

Cristovam Buarque é senador e professor emérito da UnB.
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