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Em 7 de dezembro de 2022, o então presidente da República do Peru foi preso e destituído do cargo após “tentar” (notem a aplicação efetiva do termo “tentativa”) dissolver o Congresso Nacional, pronunciando-se oficialmente à nação em rede nacional. Houve realmente a execução de medida, para além de meras especulações, por meio de um ato oficial e capaz de gerar efeitos concretos. Seus ministros, e também seu advogado, renunciaram e o Congresso votou seu impeachment. Tudo muito diferentemente do que ocorreu em Brasília, num domingo à tarde.
Por isso, compreender a diferença entre “tentativa de crime” e sua “cogitação” é importante. No primeiro caso, os meios utilizados vão além do desejo abstrato, superando a cogitação e atos preparatórios, e podem efetivamente gerar efeitos na realidade. No segundo, por mais ruidosos que sejam os atos, não é suficiente para modificar o bem jurídico específico da normal criminal que veremos a seguir. Minutas não publicadas no Diário Oficial da União, conversas, inclusive por aplicativo de mensagens, ou qualquer outro meio pelo qual se tenha opinado, manifestado o desejo de se opor ao cenário político por qualquer meio imaginável, estariam no âmbito da "cogitação". Na pior das hipóteses, sua natureza jurídica seria própria dos “atos preparatórios”, mas jamais de “tentativa de crime”.
Ainda que analisássemos a ação física de quem tenha executado ato de violência patrimonial, não teria como impedir ou restringir o expediente de quaisquer dos Três Poderes.
Aqui, observo a legislação acerca dos crimes contra o Estado Democrático de Direito, previstos no último título do Código Penal, especialmente o artigo 359-L, tentar abolir o Estado Democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais; e art. 359-M, tentar depor o governo.
Ora, 8 de janeiro era um domingo, não havia expediente, tanto do Poder Executivo, quanto do Poder Legislativo e do Poder Judiciário; e isto é de conhecimento público e notório. Evidentemente não poderia haver ânimo para o cometimento de tais crimes por quem quer que fosse, pois cogitar que manifestantes civis, sem arsenal de fogo, poderiam realmente subjugar o poder bélico do Estado (Forças Armadas, Polícia Militar e Federal), não convence.
Ainda que analisássemos a ação física de quem tenha executado ato de violência patrimonial, não teria como impedir ou restringir o expediente de quaisquer dos Três Poderes constitucionais. Também não havia a presença do presidente e vice-presidente da República, e, portanto, não haveria como depô-los. E, mesmo que nos esforçássemos muito para enquadrar tais ações na âmbito de “tentativa de golpe” ou “abolição do Estado Democrático de Direito”, como prematuramente poderiam dizer, estaríamos diante de “crime impossível”. E à luz o Código Penal, artigo 17, “Não se pune a tentativa quando, por ineficácia absoluta do meio ou por absoluta impropriedade do objeto, é impossível consumar-se o crime”.
Logo, rotular de “golpistas” os manifestantes que estavam na capital política do Brasil, em 8 de janeiro, ou mesmo mantê-los em prisão arbitrária sem a individualização da conduta de que são acusados, numa clara punição antecipada antes de condenação judicial definitiva, viola frontalmente o princípio basilar previsto como garantia fundamental na Constituição, art. 5º, inciso 45, de que nenhuma pena passará da pessoa do condenado, e que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória (inciso 57), e Pacto de São José da Costa Rica, art. 7º, incisos 3, 4, 5 e 6 e especialmente art. 8º, inc. 2.
Os danos causados são patrimoniais, e o condenado ao ressarcimento não pode ser preso por dívida (CF/88, art. 5º, inc. 67 e Pacto, art. 7º, inc. 7), o que lhes garante que respondam ao processo em liberdade, dando ensejo ao imediato relaxamento das prisões, sob pena de ofensa moral coletiva.
Eduardo Tozzini é advogado.
Conteúdo editado por: Jocelaine Santos