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Terra aos quilombolas, um direito constitucional

Hoje o Tribunal Regional Federal da 4.ª Região (TRF4) julgará a constitucionalidade do Decreto Federal 4.887/03, instrumento que sustenta a realização do direito constitucional de acesso à terra para quilombolas. O julgamento se dá na ação em que a Cooperativa Agrária Agroindustrial questiona o processo administrativo do Incra para a titulação da terra da comunidade quilombola Invernada Paiol de Telha, localizada no município de Reserva do Iguaçu, no Paraná. O resultado do julgamento influenciará diretamente as 144 comunidades quilombolas da Região Sul, pois consolidará a posição do TRF4 no tema.

A comunidade Invernada Paiol de Telha conquistou o acesso à terra e à liberdade ainda na década de 1860, depois de anos sob o jugo da escravidão. A conquista veio por meio do testamento deixado pela escravocrata Balbina Francisca de Siqueira, proprietária da fazenda Capão Raso, que deixou 7.260 hectares de terras para 11 escravos. Os quilombolas lá vivem desde então, mas as políticas de Estado que favoreceram a colonização europeia, em detrimento dos direitos dos negros, viabilizaram um processo violento de expulsão dos quilombolas de suas terras; hoje, ocupam uma parcela ínfima do que lhes é de direito. A retomada das terras quilombolas ganhou fôlego com a Constituição de 1988.

Após séculos de opressão racial, a Constituição Federal, em sua integralidade, inaugurou um processo histórico de retirada das comunidades quilombolas de uma situação de invisibilidade jurídica, econômica, social e política. A política pública de titulação das terras quilombolas, derivada do direito inscrito no art. 68 do ADCT da Constituição, busca reparar as injustiças cometidas contra essas comunidades, assegurando-lhes meios para reaver as terras tradicionais. O Decreto Federal 4.887/03 regula o processo administrativo, de competência do Incra, para a titulação das terras, assegurando a quem detenha título de propriedade dentro da área quilombola a prévia indenização em dinheiro.

As conquistas históricas obtidas pelas comunidades quilombolas podem sofrer graves retrocessos se o TRF4 não confirmar a constitucionalidade do decreto, pois é ele que regula o processo administrativo de titulação e, sem esse instrumento, o direito constitucional dos quilombolas ficará em situação de total desvalor jurídico, pois faltarão meios para efetivação da Constituição.

Por trás do debate jurídico sobre a constitucionalidade do decreto se esconde o real embate. De um lado, aqueles que acreditam que a titulação das terras não representa apenas o reconhecimento de que os quilombolas tiveram importante papel na sociedade, mas que hoje a existência dessas comunidades tem papel importante nos destinos econômicos e na identidade cultural da nação. De outro lado, aqueles que desprezam o papel dessas comunidades na sociedade e acreditam que a produção de commodities agrícolas deve suplantar o direito constitucional quilombola.

Está colocada ao Judiciário a missão de assegurar aos quilombolas o direito constitucional, 25 anos após a promulgação da Carta Magna. Mas cabe à sociedade a tarefa de expurgar o racismo implícito e explícito que impede o Estado de garantir, na prática, o acesso à terra para os quilombolas.

Fernando G. V. Prioste é advogado popular da Terra de Direitos.

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