Com o começo das aulas, na semana passada, professores, alunos e pais chegaram à escola primária Rafael Veloz, em Ciudad Juárez, de branco, de mãos dadas e chorando. É que a diretora, Elsa Mendoza Márquez, foi morta no massacre de 3 de agosto em El Paso. Os pais tiveram de explicar aos pequenos por que ela não estava ali; sua assistente lhes disse que Mendoza nunca seria esquecida.
A educadora de 57 anos era um dos oito cidadãos mexicanos entre as 22 vítimas do ataque, perpetrado por um homem chamado Patrick Crusius, que atirou contra os clientes de um Walmart usando um fuzil de assalto. Praticamente todas as outras vítimas eram norte-americanas descendentes de mexicanos, enquanto uma só era alemã. Segundo relatos, Mendoza tinha atravessado a fronteira para visitar a família e tinha apenas passado pelo mercado enquanto o filho e o marido a esperavam no carro.
O massacre de El Paso foi prioridade na pauta da primeira reunião entre o presidente Andrés Manuel López Obrador e o novo embaixador dos Estados Unidos, Christopher Landau, nesta segunda-feira (Roberta Jacobson, que ocupou o cargo antes dele, pediu demissão em maio de 2018, e desde então tem sido uma crítica feroz de Trump).
A posição do governo mexicano é de que a justiça feita às vítimas deve incluir a condenação do ódio que, segundo as autoridades, levou Crusius a cometer a chacina. "Em nossa opinião, o caso é decisivo para que atos como esse não se repitam", afirmou o secretário de Relações Exteriores mexicano, Marcelo Ebrard.
Ele também pediu que Crusius seja acusado de terrorismo e levantou a possibilidade de seu país pedir a extradição do réu. Na quarta passada, a OEA também defendeu que o México entrasse com uma moção condenando o "ato terrorista" em El Paso.
Os promotores e a polícia têm de deixar bem claro que o caso é um crime de terror político, e não o ato aleatório de um homem ensandecido
O governo mexicano está certo. De fato, a chacina tem o perfil de ato político, executado para semear o terror e o ódio. É o tipo de violência que não só cria a discórdia entre os norte-americanos, como pode provocar tensões entre os EUA e o México.
Infelizmente, é pouco provável que Crusius seja acusado especificamente de terrorismo por causa da maneira como a justiça de seu país funciona. E a chance de extradição também é remota. Entretanto, mesmo sem essas acusações, os promotores e a polícia têm de deixar bem claro que o caso é um crime de terror político, e não o ato aleatório de um homem ensandecido. Em todos os níveis, o governo norte-americano deve ser inflexível na condenação de tamanha violência política, principalmente por causa da retórica anti-imigração agressiva que sai da própria Casa Branca.
"Terrorismo" é uma das palavras mais discutidas no vocabulário inglês no momento: enquanto uns defendem que seja aplicada a governos que bombardeiam civis, e não apenas a grupos insurgentes e/ou indivíduos agindo sozinhos para fazer o maior número de vítimas, há quem ache que deve ser utilizada para descrever assassinatos em massa, ainda que sem qualquer conotação filosófica/política.
Sem dúvida, a maioria concorda que é terrorismo, sim, quando uma facção ou pessoa mata civis inocentes em nome de uma causa religiosa ou política – e o massacre de El Paso parece se encaixar na definição perfeitamente.
Crusius não apenas confessou ter atirado para atingir só mexicanos, mas também um manifesto on-line que as autoridades acreditam ser de sua autoria afirma que o atentado foi político, e não pessoal, pois defendia o país "de uma eventual ocupação cultural e étnica".
O modus operandi em El Paso foi muito semelhante ao de outros ataques, como o de Las Vegas, em 2017, e Parkland, na Flórida, em 2018; a diferença é que, ao contrário das tragédias anteriores, esse atentado parece ter uma motivação política óbvia.
- El Paso, duas semanas depois (artigo de Veronica Escobar, publicado em 20 de agosto de 2019)
- O ‘bullying’ de Trump não vai solucionar a crise da imigração (artigo de Ioan Grillo, publicado em 13 de junho de 2019)
- A barbárie em Altamira e a força das facções criminosas (editorial de 30 de julho de 2019)
Realmente, o promotor dos EUA para a região de El Paso, John Bash, disse à imprensa que o crime está sendo tratado como "terrorismo doméstico", mas os promotores dizem que esse é apenas um termo usado nas investigações, e não um crime passível de condenação.
Por outro lado, acusações específicas de terrorismo são imputadas àqueles que atuam com organizações extremistas estrangeiras. Esse detalhe leva a um sistema de "dois pesos, duas medidas", no qual a violência islâmica é sempre acusada de ser terrorista, mas a da supremacia branca não.
O governo mexicano também enfrenta problemas internos imensos, com níveis recordes de assassinatos na primeira metade do ano em seu território. Segundo a polícia, na terça houve um episódio especialmente brutal, no qual os membros de um cartel incendiaram um bar, matando 28 pessoas. Em março, Trump anunciou que seu governo está pensando em considerar e tratar as facções criminosas responsáveis por tamanha violência como organizações terroristas.
A promotoria mexicana já acusou vários envolvidos com o narcotráfico de terrorismo em diversas ocasiões – como em um caso de 2015, no qual um grupo de "soldados" de um cartel interditaram várias ruas e estradas com caminhões em chamas, tendo incendiado postos de gasolina e abatido um helicóptero militar com uma granada lançada por foguete.
Entretanto, mesmo com o México enfrentando tamanha brutalidade em suas divisas, é essencial que reaja ao assassinato de seus cidadãos no exterior. Afinal, os EUA condenam aqueles que matam norte-americanos no México enquanto enfrentam altos níveis de criminalidade.
Convocar o México a condenar a violência política racista pode parecer inútil, e não vai trazer as vítimas de El Paso de volta à vida, mas podemos esperar que, se as autoridades norte-americanas condenarem explicitamente tal violência e derem prioridade aos casos de terrorismo racista, talvez se possa prevenir outra calamidade como essa – e um número menor de crianças ao sul e ao norte do Rio Grande terá de voltar às aulas tentando compreender por que uma professora, um amigo, um ente querido, um pai ou uma mãe não está mais ali.
Ioan Grillo é autor de Gangster warlords: Drug dollars, killing fields and the new politics of Latin America.
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