Sem qualquer exagero, o passageiro aéreo no Brasil atualmente, submetido ao duopólio da TAM e da GOL e à incompetência da Infraero, é tratado como gado, tangido de um lado para outro sem qualquer sombra de respeito
O jornal "USA Today", em sua resenha sobre a década que acabou de acabar, faz uma afirmacao trágica: "os americanos acabam a década como começaram: fugindo apavorados..." Tudo, é claro, por causa da frustrada tentativa de um passageiro de um voo que procedia de Amsterdã de explodir uma bomba. Por um milagre de sorte e de incompetência do terrorista, o atentado foi abortado, mas a paranoia da segurança nos aeroportos voltou aos níveis do 11 de Setembro de 2001.
O pior é que os aeroportos de todo o mundo foram imediatamente afetados e, na ânsia de responder rapidamente às novas ameaças do terror, todos os limites do bom senso estão sendo ultrapassados: um passsageiro alemão que carregava uma clarineta (ou uma flauta, sei lá) foi obrigado a tocar o instrumento na frente do fiscal, enquanto que um outro passageiro foi advertido de que suas partes muito íntimas seriam observadas, depois que foi convidado a abrir a braguilha para a inspeção visual.
O pior é que tudo isso será insuficiente, pois qualquer criança de dez anos é capaz de entender a impossibilidade de realmente controlar o que se passa dentro de um grande aeroporto, em que, além dos passageiros, existem milhares de pessoas trabalhando, e toneladas de comestíveis, souvenirs etc., entrando e saindo. O que restará do recrudescimento da vigilância nos aeroportos será o incômodo adicional para os passageiros.
E o Brasil em tudo isso? O Brasil emerge (ou pode emergir) como um destino atrativo para milhões de turistas europeus e asiáticos procurando sol e mar, ornitólogos amadores fazendo excursões para observar pássaros (a área que mais cresce no turismo internacional), amantes da floresta úmida e dos ambientes silvestres que poderão se deliciar com a visão da fauna do Pantanal e da Floresta Amazônica. A ausência de tensões étnicas e de grandes antagonismos políticos entre nós tem hoje um valor inestimável. Mas só seremos capazes de aproveitar esse ativo intangível e invisível, representado por uma sociedade que consegue ser easygoing , relaxada e sem grandes tensões aparentes, apesar de seus problemas, se antes formos capazes de modernizar minimamente nossa estrutura de transportes e de turismo.
A aviação civil no Brasil é um deboche. Conta a lenda urbana, que Geraldo Vandré teria sido obrigado pelos militares a ouvir por dias e dias seguidas a sua música Disparada. Acredito que seria útil obrigar os principais executivos das empresas aéreas brasileiras e da Infraero a decorar a letra de Vandré para se lembrar de que "gado a gente marca, tage, ferra, engorda e mata... mas com gente é diferente". Sem qualquer exagero, o passageiro aéreo no Brasil atualmente, submetido ao duopólio da TAM e da GOL e à incompetência da Infraero, é tratado como gado, tangido de um lado para outro sem qualquer sombra de respeito.
A infraestrutura aeroportuária não fica atrás. Os aeroportos foram transformados em mafuás, cheios de lojas e de estandes e quiosques, onde o que menos importa é o conforto mínimo dos passageiros. E, supremo mistério para mim, quando um avião já está a caminho de um aeroporto, onde chegará em um momento mais ou menos definido, qual é a dificuldade de saber onde o mesmo estacionará? Se eles não conseguem nem organizar o estacionamento dos aviões, o que esperar do resto?
Pode parecer aos meus pacientes leitores que estou particularmente azedo em relação a viagens, o que é verdade. Estou mesmo. Mas, procurando ver as coisas de uma maneira mais construtiva, o que sinto mesmo é um enorme desgosto em ver que um país dotado de todas as condições para ser um dos lugares mais visitados do mundo, gerando renda, empregos e progresso, deixa essa oportunidade escapar entre seus dedos, por culpa da mistura de ganância com despreparo de duas ou três dezenas de indivíduos. Mas de uma coisa tenho certeza: como adoramos macaquear essas coisas, dentro em breve, teremos músicos dando canjas nas esteiras de fiscalização de bagagem, enquanto os fiscais, diligentemente, observarão a genitália dos passageiros indefesos.
Belmiro Valverde Jobim Castor é professor do doutorado em Administração da PUC-PR.