Após a tragédia do governo Dilma – que culminou na pior recessão da história brasileira, desaguando no processo de impeachment –, foi aprovada a Emenda Constitucional 95, de 15 de dezembro de 2016, visando restabelecer a confiança na sustentabilidade das contas públicas e, ato contínuo, reverter a trajetória explosiva da dívida federal. Foi, então, instituído o “Novo Regime Fiscal”, fixando-se, regra geral, um teto de gastos às despesas primárias, autorizada correção monetária pela variação do IPCA. Em reforço à responsabilidade fiscal, a Emenda Constitucional 109, de 2021, inseriu o artigo 164-A na Lei Maior da República, determinando que “a União, os estados, o Distrito Federal e os municípios devem conduzir suas políticas fiscais de forma a manter a dívida pública em níveis sustentáveis”.
Como se vê, para evitar a tentação perdulária de governos passageiros, o legislador constitucional resolveu blindar as contas públicas frente a ímpetos eleitorais ou meramente eleitoreiros que, pelo lucro das urnas, são capazes de sandices fiscais tresloucadas. Todavia, o trágico advento da pandemia de Covid-19 forçou o governo federal a dispender recursos absolutamente extraordinários, vindo a amparar os demais entes federados, os necessitados em situação de pobreza e o setor empresarial duramente impactado pelos efeitos negativos da bomba viral.
Enquanto a conta não chega, seguimos nós no redemoinho da inflação ascendente, câmbio nas alturas e juros oficiais no batente.
Em recente palestra comemorativa dos 60 anos da Escola Brasileira de Economia e Finanças da FGV, o competente ex-secretário Bruno Funchal fez esclarecedora exposição, realçando a importância do teto de gastos nos efetivos esforços governamentais para o devido ajuste da trajetória fiscal. Sobre o ponto, apesar do impressionante gasto público gerado pela Covid-19, as reformas estruturais realizadas, em compasso com a aceleração da economia, poderão, se mantidas, conter a evolução da dívida bruta em patamares similares aos da pré-pandemia, contrapondo projeções indicativas à superação da fronteira dos 90% do PIB.
Nesse contexto, as margens positivas geradas pela Reforma da Previdência, pela suspensão temporal de majorações remuneratórias (LC 173/2020), pela resolução do passivo da Lei Kandir (LC 176/2020) e pela instituição do Programa de Acompanhamento e Transparência Fiscal (LC 178/2021) são avanços institucionais relevantes que não podem ficar à mercê de retrocessos populistas de ocasião. Frisa-se que não se trata de contrariedade ou desprezo por políticas públicas de combate à pobreza e auxílio aos carentes; tais pautas e ações concretas são fundamentais em países de alta desigualdade, como o Brasil. No entanto, o mérito da defesa da responsabilidade fiscal é outro: busca apenas evitar que a medida social de hoje se transforme em mais miséria amanhã. Não há lanche grátis e salvadores da pátria, cedo ou tarde, custam caro à nação.
A questão que se coloca, portanto, é como bem equilibrar as contas públicas em razão do robusto esforço orçamentário ocasionado pela pandemia. O ajuste, aqui, não é fácil e abre espaço para importante discussão democrática sobre a qualidade do gasto público, misallocation e insustentáveis subsídios de empreitada. Ou seja, os desafios do presente oportunizam inadiável e sério debate político-democrático sobre uma série de cooptações orçamentárias, despidas de espírito público soberano. Incompreensivelmente, o governo, em vez de enfrentar temas sensíveis, parece buscar a saída mágica da flexibilização do teto de gastos, criando uma gambiarra, com tintas de salvo-conduto, a pedaladas fiscais.
Ora, a manobra é perigosa e pode não terminar bem. Aliás, já começam a surgir murmúrios legislativos para o trem da alegria de repasses bilionários a fundos eleitorais e festivas emendas parlamentares. Aqui chegando, a memória me fez lembrar de meu querido amigo e mestre Paulo Brossard – que no último dia 23 estaria a completar 97 anos; em discurso histórico no Senado da República, ao analisar os descaminhos do governo de então, o notável homem público gaúcho firmou em letras lapidares: “A segurança é filha da lei; a quebra da legalidade é mãe da insegurança”. E não existe nada mais danoso ao império da lei do que determinados voluntarismos de poder.
Enquanto a conta não chega, seguimos nós no redemoinho da inflação ascendente, câmbio nas alturas e juros oficiais no batente. Será que vai mais?
Sebastião Ventura Pereira da Paixão Jr. é advogado e conselheiro do Instituto Millenium.
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